Theo

84 16 8
                                    

Na hora do almoço, Theodoro estava tão perto de afundar para dentro de si e nadar no remorso que mal teve qualquer reação quando Nicolas se aproximou da mesa onde estava sentado com Arte.

— Onde é o velório? — o garoto perguntou com aquele tom arrogante que aniquilava o humor de Theo.

Theodoro forçou uma risada irônica, mas teve a certeza de que Nicolas não havia entendido a mensagem quando olhou para Arte, alarmado, e perguntou:

— Espera, há mesmo um velório?

Artemísia balançou a cabeça e Nicolas sentou-se na mesma mesa que eles, ignorando completamente a presença de Theodoro ali, o que devia delimitar que ele não era bem vindo.

— O que houve? — Nico insistiu.

Artemísia não estava com uma de suas melhores expressões. Não parecia confiante, como o habitual, ou irritada, o que ficava com frequência. Estava pura e simplesmente chateada.

— A diretora fechou o Clube do Livro — Arte resmungou.

Nicolas franziu o cenho e olhou para Theodoro em busca de perguntas, que obviamente não obteve. Então tornou a olhar para Arte.

— Por quê?

— Porque... — a garota suspirou. — Bem, enviaram uma foto minha e de Theodoro para ela.

— Nos beijando — Theo acrescentou, para ser mais claro — na biblioteca.

Ele sabia que não devia fazer isso, deixar claro exatamente o que ele podia fazer com Arte e Nico não, justo sob aquelas circunstâncias, mas não pôde evitar.

— E? Ela achou que era justo fechar o clube por isso?

— É contra as regras da escola, você sabe.

— Só na semana passada, eu levei três pessoas ao bosque e elas me pagaram um boque... — ele deixou a frase morrer ao perceber que era informação demais. — Bom, de qualquer maneira acho injusto que a sua punição seja essa, porque as pessoas fazem coisas bem piores aqui dentro. Ah, já que estamos mencionando coisas piores, qual foi a sua punição, Roriz?

Theodoro estreitou os olhos para Nico, porque não gostava da maneira como o garoto pronunciava seu nome e muito menos da inquisição que estava fazendo.

— Estou fora do time — confessou.

— Bacana. Finalmente encontraram algo que você não pode fazer sem sofrer consequências. Os Peppers entrando no Colégio Novo Horizonte sem o menino de ouro deles é uma coisa e tanto. É uma pena que seja nosso último ano no IEC, porque eu adoraria ver você depois da derrota dos Peppers.

— Eu ainda vou jogar — Theo deixou o orgulho escorrer em cada palavra do que disse.

— O quê? — Nico cruzou os braços.

— Eu pedi a diretora que deixasse ele jogar no Interescolar e ela deixou — Arte se apressou em apaziguar aquilo antes que se tornasse uma briga. — Mas ele está fora do time. O Interescolar é uma exceção.

— Então não há diferença alguma! — Nico estava indignado, porque não foi merecedor de nenhuma piedade ao se tornar um reserva do time e ter que assistir os Roses perderem.

— Eu não vou poder treinar, ou participar da seleção do time do ano que vem. Nos Peppers, ganhar não é a única coisa que importa, mas acho que você não entende — Theo ladrou.

— O que você não entende é sobre justiça, Roriz, porque é um filho da puta dono de uma vida perfeita, que tem passe livre para fazer um milhão de merdas por aí e ter essas punições ridículas. Você sequer percebeu que Artemísia está mal, ou está preocupado com o seu umbigo?

— Que merda! — Artemísia bateu as mãos sobre a mesa. — Pela primeira vez na vida, uma coisa não é sobre vocês dois, então parem de brigar como se tudo que importasse fosse a rivalidade ridícula que vocês criaram. Você — apontou para Nico — para de agir como se estivesse em um filme ruim e clichê, como se a vida fosse injusta demais e como se alguém na porra do mundo, ou pelo menos na porra do Brasil, chamasse alguém pelo sobrenome. E você — virou-se para Theodoro — eu nem sei colocar em palavras o quão irritada estou. Não entre numa merda de briga com Nicolas e depois ande por aí dizendo que "ele começou" como se isso resolvesse tudo. Lide com suas próprias merdas, a vida não é a droga de uma festa.

Depois da breve explosão, Artemísia levantou-se e saiu de perto deles, atravessando o pátio em passos duros. Theodoro levantou-se para ir atrás dela, mas a voz de Nico ainda sentado chamou sua atenção.

— Não sei o que você pretende com os sentimentos dela, mas eu vou matar você, Theodoro, se ela acabar com um coração partido. Eu não tenho um mínimo de sanidade.

Theo virou-se para ele, surpreso com a coragem de Nicolas ao dizer coisas como aquela, bem no meio de toda a situação incomum que estavam vivendo.

— Você acha que entende alguma coisa, mas não entende merda nenhuma, então não mete a porra do nariz.

— Eu não conheço você, mas sei que alguma coisa está acontecendo. Eu sou um ótimo mentiroso, o que me faz conhecer muito bem outros ótimos mentirosos, e eu sei que você está mentindo sobre alguma coisa.

— Nicolas — Theo disse como um aviso.

Nico pôs-se de pé e deu um sorriso maldoso.

— Vou descobrir quem mandou a foto. As duas, aliás. Chega de problemas.

Com aquilo dito, Nicolas se afastou quase tão rápido quanto Artemísia havia feito.

Aquilo tudo só pesava ainda mais para ele e sua consciência. Nicolas tinha coragem o suficiente para enfrentar a situação e tentar defender Artemísia, enquanto ele estava tentando jogar para os dois lados e proteger Arte e Paula ao mesmo tempo, mas seu estado de espírito só deixava claro que não estava funcionando.

Ele tinha dito que amava Arte, não tinha? E havia tempo que aqueles sentimentos eram reais para ele, mas mesmo assim não conseguia simplesmente abandonar a causa de Paula apenas para ajudar a garota que amava. Aquilo não seria egoísta? E, no fim das contas nada seria resolvido, porque nada mudava o fato de que a diretora tinha provas do comportamento indevido deles, e nada que fizesse poderia anular as punições deles.

Com todos os pensamentos em mente, Theodoro também deixou a mesa, não vendo outra alternativa uma vez que Arte, sua única razão para estar ali, tê-lo deixado. Então ele foi para o prédio, decidido a assistir suas aulas e se convencer de que estava protegendo a pessoa certa, embora parte de si soubesse que estava apenas mentindo para si mesmo.

UncoolOnde histórias criam vida. Descubra agora