Artemísia estava se esforçando o máximo que podia para não pensar no rosto de Theodoro ao ouvi-la falar. Ele assumiu uma expressão de quem pede desculpas, como um cachorrinho que acabou de destruir toda a casa, mas quer ser perdoado e te suborna com amor.
Infelizmente amor não é moeda de câmbio.
Contou os minutos até o fim das aulas, depois os passos até o metrô, ocupando a mente, e se concentrou em contar quantas portas tinham os vagões pelas faixas no chão da plataforma. Aquelas marcações deviam indicar onde as portas dos vagões se encontrariam, mas raramente o metrô parava na posição certa e Arte já tinha até desistido de ficar irritada com isso. Naquele dia, precisava contar. Enquanto continuasse contando, manteria a cabeça livre de Theodoro.
— Duas vezes no mesmo dia — alguém cutucou suas costelas.
Arte levantou o rosto e encontrou Nico encarando-a com uma expressão neutra que não combinava com seu tom de voz brincalhão. Quase como se ele tivesse a obrigação de manter o ar misterioso o tempo todo.
Talvez Nicolas fosse assim sempre. Talvez ele andasse em casa de chinelos e moletom, o cabelo bagunçado caindo sobre o rosto e os olhos semicerrados o tempo todo. Seus pais devem pedir para que ele passe o sal e ele deve dar um olhar silencioso. Nico podia ser esse tipo de garoto.
— Eu estava brincando sobre o lance de anjo da guarda — Arte cruzou os braços. — Não precisa me seguir.
— Pode apostar que estou te seguindo. Ando por aí seguindo pessoas esquisitas, é meu passatempo favorito.
Arte mordeu a língua, tentando não responder com um palavrão. A careta que fez foi notada por Nico, que se aproximou, alinhando a ponta dos pés com os dela. Arte baixou o olhar, fitando onde seus Oxfords marrons tocavam os Vans dele.
— Pessoas esquisitas de um jeito legal, eu quis dizer — ele acrescentou bem baixinho. — Não estou acostumado a ter um motivo para ser legal com você, sabe.
Arte deixou uma risada escapar, pensando na conversa que tiveram mais cedo. Aparentemente ela já não era mais a dona dos olhares superiores e tinha conquistado o direito de ser tratada bem. Um avanço.
Nico riu também e ela pensou por um segundo no quanto estavam próximos — fisicamente — e que jamais se imaginou numa situação daquelas. Não com ele.
Era fácil fantasiar momentos doces com Theodoro. Ele era todo sorrisos, covinhas e carisma para todo mundo, fácil de conquistar uma amizade. Mas Nicolas, antes daquele dia, era o garoto mau humorado com quem ela nunca queria ter contato.
Só que ele não era. Agora que sabia a razão de nunca ter sido tratada bem por ele — porque ela não o tratava bem, para começo de conversa —, podia entender que talvez a imagem que tinha de Nico fosse muito distorcida. Talvez ele fosse aquele garoto parado de frente para ela, com as pontas dos sapatos tocando os dela. Talvez Nico fosse simples.
O metrô chegou, fazendo-o se afastar.
— Linha dois. Sorte — ele disse balançando a cabeça.
A linha dois servia para Arte também, então entraram no mesmo vagão. Não estava cheio, mas também não estava vazio o suficiente para que conseguissem um lugar sentados. Nicolas segurou nas barras do teto.
— Se importa? — Arte tocou a camisa dele.
Não que não alcançasse as barras de cima, mas era um pouco cansativo ficar com os braços para o alto e ele estava bem ali, o apoio perfeito.
— Eu não sabia que você era péssima assim — Nico olhou para a mão dela, agarrando sua camisa. — Foi assim que começou a ficar com o Roriz?

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Uncool
Teen FictionEm seu último ano de ensino médio, Artemísia só estava certa de três coisas: a primeira era que ela não fazia ideia do que faria em seguida. A segunda é que seu Clube do Livro era a única coisa que a mantinha feliz no colégio. E a última coisa era q...