Arte

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Era a segunda-feira seguinte e o peso dos pensamentos de Artemísia podiam fazê-la cair a qualquer momento.

Arte mal podia se lembrar do resto da semana anterior. Todos os segundos eram uma tentativa de superar os acontecimentos e seguir em frente, mas ela nunca foi a rainha da força de vontade, muito menos do autocontrole. Para piorar, Ana entregou-lhe suas roupas —  as que havia usado na festa — em uma sacola de papel, a pedido de Theodoro, e mais tarde, naquele mesmo dia, ela teve que entregar as roupas do garoto para Mariana. A tentativa de manter distância de Theodoro era mais explícita que nudez em revistas pornográficas. Doloroso. 

Então o fim de semana baseou-se em listas de exercícios e estudos para o vestibular e, depois, planejar o Clube do Livro da terça-feira, o que não durou muito tempo, uma vez que pensar no Clube a fazia pensar em Theodoro automaticamente. Sua cabeça dava um nó só de pensar em vê-lo de perto novamente e em como poderia respirar perto dele sabendo que naquele momento ele a odiava injustamente e que se ela não estivesse no lugar errado, na hora errada, ainda poderia tocar Theodoro da maneira que tocou na noite em que dormiram juntos. 

Esse era o problema da perda. Theo era como uma comida divina, mas que ela poderia sobreviver sem se jamais tivesse provado. O problema é que uma vez que se experimenta a melhor comida do mundo, não faz sentido nunca mais poder saboreá-la novamente. Não fazia sentido nunca mais sentir a pele de Theo contra a sua. Não fazia qualquer sentido. 

Um ano antes, Artemísia jamais poderia sofrer por aquilo. Ela era pura dedicação ao resto do universo e não a garotos populares idiotas, cada dia mais distante de sua paixonite por Theodoro. E, no entanto, naquela segunda-feira, ela tinha que lidar com uma tsunami dos sentimentos que nutria por ele. Ela corria, mas a onda parecia cada vez mais perto de destruir tudo ao seu redor. 

Se tivesse direito a um único desejo, tinha certeza do que pediria. Depois de um fim de semana enterrando a dor de um coração que nem teve a oportunidade de ser partido, Arte não pediria Theo de volta. Seu desejo era que numa segunda-feira, exatamente três semanas antes, Nico e Theodoro nunca tivessem brigado. Assim, Theo jamais teria caído de paraquedas em seu Clube do Livro e ela estaria longe da confusão de sentimentos que ele representava. Nunca saberia como era estar com ele e não poderia sentir falta daquilo. 

Mas a vida não concede desejos.

— Ouvi dizer que a diretora conversou com a Paula na sexta — Ana comentou, ocupada demais com sua comida para encarar Arte. — O pai da Paula não sabe de nada, o que é estranho porque estava por todos os lugares e ela parecia bem abalada, mas ela se salvou. Achei que ela e a Victoria iriam assumir um relacionamento ou algo assim, mas parece que elas fingem que a outra é um fantasma. Estranho, né? 

Arte deu de ombros. 

— Ah, por favor, Arte. Você vai ficar morta para sempre? Por causa do Theo? Eu não faria diferente se alguém expusesse minha melhor amiga... Ainda mais porque minha melhor amiga é você. Quer dizer, você mentiu pra mim na festa quando disse que Paula não tinha aparecido, mas tudo bem.

— Não fui eu — Arte disse pela milésima vez. Não poderia aguentar por muito mais tempo se Ana não acreditasse nela.

— Ok, eu sei — Ana revirou os olhos. — De qualquer maneira, seu lance com o Theo meio que tinha prazo de validade, não é?  

— O quê? — finalmente tinha chamado a atenção de Arte. O que ela poderia estar insinuando com aquilo? Não que Theodoro e ela tivessem alguma coisa, mas se tivessem, não estava fadado a acabar no segundo em que começou. 

— Ah, sei lá — Ana sacudiu  a cabeça. — Você é legal, ele é legal, mas vocês não combinam. Ele não é o tipo de garoto pra você.

Ana tinha a capacidade de ser uma ótima amiga, mas ela acabava desperdiçando grandes chances de falar as coisas certas falando coisas como aquela.

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