Arte

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Antes de qualquer coisa, havia Theodoro e aquele pequeno momento de certeza. 

Mesmo antes de abrir os olhos, Arte podia sentir as pernas de Theo entrelaçadas nas suas e a respiração do garoto agitando seus cabelos da nuca. Antes de abrir os olhos, ela sabia exatamente onde estava e que queria estar ali, mas a vida não é sobre certezas e aquele momento também não era, não quando Artemísia abriu os olhos. 

A claridade a fez piscar algumas vezes e então ela se agitou, fazendo Theo acordar ao seu lado. 

— O despertador não tocou — Theo resmungou. 

O despertador dele não havia tocado, mas o relógio biológico a impedia de dormir mais. Era estranho pensar que morava mais perto da escola que ele e costumava acordar mais cedo. 

— Somos dois para tomar banho, comer e ir — ela começou a ser prática. — Precisamos levantar agora. 

E então Theo abriu os olhos e Arte conseguiu focar em alguma coisa naquele dia. Ele.  

Boa parte do corpo de Theo estava coberta pelo edredom branco que envolvia os dois. O peito nu do garoto subia e descia lentamente, disparando contra o número de batidas do coração de Arte. Os olhos dele estavam meio inchados pela noite de sono e o cabelo dele tinha formado cachos durante a noite e ela o invejou. O cabelo dele podia mudar de liso para ondulado e ele ficava bem de qualquer maneira. 

Ele continuava bem, com aquela cara de sono depois de uma noite mal dormida. E então ele sorriu. 

— O que é? — roçou o nariz contra o dela. 

A certeza era uma paz que só podia ser apreciada de olhos fechados. Ali, enfrentando a manhã e a beleza de Theodoro, Arte estava se distanciando de qualquer convicção anterior.

Era risível o quão fácil estava amolecendo. Assim que Theo surgiu, queria repeli-lo o quanto pudesse e, então, ela estava ali, gostando mais dele do que podia gostar. Theodoro queria se divertir, ela tinha certeza. Ela não queria se divertir porque não saberia fazer aquelas coisas com ele sem levar a sério. E, bem, não estava conseguindo.  

Queria dizer contra o ouvido dele que nunca mais a deixasse e que não sabia como respiraria sem ele por perto depois daquilo — depois daquela noite — e ao mesmo tempo queria fugir dali e odiá-lo pelo resto de sua vida. 

Ridículo pensar em Theodoro como uma mera paixonite. Ainda mais ridículo pensar em Theodoro como um amigo que poderia manter. Não conseguia mais, de jeito nenhum, nem mentir para si mesma. E ela costumava ser uma boa mentirosa. 

— Arte — Theo puxou-a para mais perto. — O que é?

— Nada — disse, porque era o que podia dizer. Como podia dizer a si que estava se apaixonando por ele? Como podia se trair daquela maneira? 

Arte podia ditar uma lista de livros nos quais lera aquela história e podia se lembrar do exato momento em que disse que aquela não era a sua história. Disse a si mesma que não era um clichê de paixão adolescente e amor improvável, que não era a protagonista idiota que se apaixonava pelo garoto popular do colégio. Mas ela era. E pior que ser aquilo tudo era não fazer a mínima ideia de como resolver uma coisa daquelas. Como todas elas — Nora, Tessa, Abby, Bella, Gina — haviam achado soluções para seus próprios romances? 

— Eu sei que o gato não comeu sua língua porque eu sou o único gato que... — Theo riu no meio da frase. — Ok, não vou fazer essa piada. 

— Obrigada por me poupar — Arte torceu o nariz. 

— Certo — Theo suspirou. — Banho, né? 

Ela balançou a cabeça, fugindo dos próprios pensamentos traiçoeiros. Banho era uma boa opção. 

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