twenty eight

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O que te deu um calorzinho na alma hoje? (o sol não vale.)

            Me ensinaram que se eu não fosse bonita eu não valeria nada. 

            Alguém me vê? Alguém me enxerga?

            Por que a beleza tem que doer? Se algo bonito é tão bom, por que a beleza dói tanto?

            Cabelo comprido, maquiagem feita, unhas longas, sorriso branco, pele perfeita, cintura fina, pernas torneadas, seios redondos.

            Me ensinaram que se eu não fosse bonita ninguém ia me amar. Me ensinaram que se eu não fosse bonita eu não valeria nada. Mas dane-se bonita. 

            Eu sou magnífica.

            Sou a Cinderela do meu próprio conto de fadas.

  
Por que é tão fácil escrever e dissertar sobre outras pessoas e tão difícil olhar pra dentro? Se não sabemos quem somos, como vamos procurar ser melhores? Quem é você?

— Ay, você poderia me emprestar a caneta? Esqueci tudo hoje. — Lorena me diz.

            Agora ela sentava no lugar do Rafael. Atrás de mim.

             — Claro, Lô.

            Abro o estojo. Olho diretamente para o rabisco que o Rafael um dia fez: "Eu te amo, Ay."

            Meus músculos se encolhem. Me seguro para não atirar o estojo longe e sair chorando dali. Como as coisas tinham saído do controle? Quando eu parei de me sentir segura em deixar ir?

             — O que foi, Ayra? Tá com uma cara...

            Pego a caneta e fecho o estojo rapidamente, tentando não parecer afetada.

            — O que? Ah. — dou uma risadinha. — Aqui a caneta. — entrego à ela e me viro para frente.

            Ela coloca a cadeira do meu lado e apoia a mão no meu joelho.

             — Tá difícil, né? — ela diz.

            Começo a fazer cara de choro. Sinto meus lábios se contraindo ao máximo para não soluçar.

             — Vem cá. — ela me abraça por alguns minutos.

             — Eu estava tão...tão bem. Eu não sei o que aconteceu... — eu falo entre lágrimas.

             — Tá tudo bem desabar às vezes. Você vem sendo mais forte do que tem dado conta, não se cobre tanto. Você pode chorar às vezes sim. Tô aqui pra tudo.

            Aperto ela mais forte.

            — Okay.

            Naquela de esquecer eu sempre fui boa, em palavras. Mas esquecer pra mim também sempre foi uma tarefa difícil.

  
Ay: "Oi, não sei se você lembra de mim... Nem sei se ainda tem meu número." 

            Ay: "É a Ayra. Ayra Marchesini. A Sol. A sua Ayra. Tua garota..."

            Ay: "Eu estou lendo as suas cartas tem duas horas e acho que eventualmente vou decorá-las. "

            Ay: "Traduzindo, obrigada. São belas palavras. "

Menina, maré.Onde histórias criam vida. Descubra agora