twenty three

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A semana seguinte foi um borrão irreparável.

            — Rafa... — o avisto sentado ao lado do caixão.

            Corro até ele, sentindo meu coração bater mais forte, minhas pernas estavam pesadas, como se me puxassem para trás. Ele me vê. Seus olhos estavam distantes e inchados. Ele abre a boca para falar mas se cala em seguida. Ele se levanta e fica parado no lugar. Paro de andar.. Ficamos à 5 passos um do outro. Nenhum de nós sabia o que dizer agora.

            Ele se curva e começa a soluçar. Corro até ele e o abraço por um, dois, dez, trinta minutos... A dor dele era minha.


Rafael faltou à aula nos 15 dias seguintes, deixando em mim um grande vazio. Não o vi também fora da escola. Tampouco tive qualquer contato com ele. 

            Se me lembro bem, tinha dias em que eu olhava para a cadeira onde ele deveria estar e deixava meus pensamentos me levar até onde ele estava. E eu sentia falta dele. Rafa sabe o quanto eu sempre odiei geografia. Mas eu passaria a gostar dela se tudo aquilo que eu aprendi sobre cartografia, localização espacial, paralelos e meridianos, me mostrassem o caminho de volta até ele.

            Um certo dia pensei em ligar para ele apenas para perguntar qual era o perfume que ele usava, mas me contive. Em outro, me peguei chorando lendo as cartas dele. E me senti uma péssima amiga.

            Eu estava convicta de que deveria estar com ele, mas eu não pude. A mãe do Rafa morava em outro estado, e era para lá que ele tinha ido. Para longe... Quando a saudade apertava, eu costumava lembrar de alguns momentos nossos, reler algumas mensagens. Me fazia o sentir perto.

             — Ayra? O que aconteceu com o Rafa? Poxa... Faz tempo que ele não vem na aula, né? — Marcelo me pergunta.

            — A... A mãe dele morreu, Marcelo. Domingo passado. — digo, com dificuldade.

            Ele se senta ao meu lado. Eu estava prestes a cair no choro quando ele me abraça e fica ali comigo por tempo suficiente.

            — Eu sinto muito, meu anjo. Sinto muito mesmo. — ele dizia.

            Nesse tempo com o Rafa fora de órbita eu me vi mais próxima do Marcelo. Não que ele substituísse o meu menino, mas eu gostava mesmo do Marcelo. Ele me entendia.

            — Sabe... Acho que ele deve ter alguns motivos pra querer ir com calma. — ele disse quando o contei sobre minha situação com o Rafa. — Vai ver ele só não quer estragar a amizade de vocês... E o que quer que vocês estejam tendo.

            Olho para ele. Mesmo tentando não transparecer, Marcelo parecia triste e com dificuldade em dizer cada uma daquelas palavras.

            — Eu acredito nisso. Mas, sei lá, acho que eu só não queria ser mais uma. Ei, vai bater o sinal. Quer ir comigo para casa? Não gosto de ir sozinha...

            Ele sorri.

            — Vou sim. — e pisca para mim.

            Eu sabia que onde quer que o Rafa estivesse, ele ficaria feliz em saber que eu estava tentando. E era o que eu estava tentando fazer. Sabe quando você fica um tempo longe da pessoa e já fica ensaiando o que vai dizer quando finalmente vê-la? Céus, EU ESTAVA ASSIM. 


Eu tentava me distrair de todas as maneiras possíveis. 

            Eu escrevia, lia, dormia, comia, pensava, cozinhava, assistia a nossa série favorita e anotava alguns spoilers que ele gostaria de saber. Mas o meu passatempo favorito era ficar na frente do campo de girassóis que tinha em frente de casa. Desde pequena, eu amava girassóis. E quando eu estava confusa ou pensativa demais, eu ia lá com o Rafa. A gente se entendia lá, a gente brigava lá, a gente se amava lá. Era incrível.

Menina, maré.Onde histórias criam vida. Descubra agora