— Oi, linda. Eu trouxe alguns papéis em branco e alguns de seus cadernos com anotações antigas...
Olho para o Rafa. Dou um pequeno sorriso e volto a olhar pela janela. Estava chuviscando; eu podia sentir o cheiro da grama molhada. Eu gostava daquele cheiro.
— Obrigada.
— Achei que pudesse ajudar. — Rafa diz, gentil e prestativo como sempre.
Solto um suspiro.
— É maravilhoso. Obrigada, mesmo. Mas você esqueceu os chocolates, não acha? — falo, sorrindo.
Ele parece procurar algo dentro das sacolas. Então, ele tira de lá a barra do meu chocolate favorito. Ele vem ao meu encontro, me fazendo prestar atenção nele.
Rafa senta no chão ao meu lado, abrindo caminho e meio aos livros, cobertores e todas as coisas que espalhei pelo chão.
— Eu não esqueci de nada. — diz, com um sorriso cafajeste nos lábios.
— O.k.— digo, e trocamos um pequeno sorriso.
Eu estava em uma daquelas semanas negativas. Mais uma.
Pensei que a essa altura o Rafael já teria corrido. Ah, a Ayra e essas crises, não aguento mais!; ele diria, talvez. Mas ele ainda estava ali.
Ele estava encarando minhas meias e começou a rir.
— Ainda é aceitável usar meia de princesas?— ele perguntou.
— Dane-se. — respondi, rindo.
Agora nós tínhamos algo parecido com uma amizade. Ele sabia do Lucas, sabia do que tínhamos tido. E apesar de muita insistência, concordamos que seria melhor para nós dois manter as coisas o mais estável possível. Pelo menos por agora, o apenas amigos tinha de servir.
— Pensei que seria bom vir te ver... de novo. — ele fala. — Alice estava meio ocupada: Benjamin tinha mais um jogo de basquete.
— Tudo bem.
— Como você está?
Dou de ombros.
— Francamente, Ayra, você é complicada assim mesmo ou está me testando pra ver se eu aguento?
Dou uma risadinha.
— Os dois. É demais para você?
Ele da de ombros, sorrindo calmamente.
— Já tivemos dias melhores.
— Me dá um pedaço desse chocolate. — peço, mudando de assunto o mais sutilmente possível.
Ele me entrega a sacola com o chocolate e cruza as pernas. Abro o pacote e logo arranco um pedaço.
— Sabe que ainda não desisti de você. — ele fala.
— Mmmmm. — é a única coisa que eu podia dizer.
Ele balança a cabeça, com um sorriso decepcionado no rosto.
— Achei que você pudesse conversar disso comigo sem que isso acontecesse.— ele diz, e se volta para a chuva que caía lá fora.
— Com "isso" você quer dizer o que?
— Esse clima tenso entre a gente. Pensei que se sentisse confortável comigo.
— Ah, é complicado. — falo, lambendo as pontinhas dos dedos que estavam melecadas de chocolate.
Ele me encara por um momento longo demais, mas não ficamos desconfortáveis. O Rafael era uma pessoa importante demais pra mim. Ele fez parte da minha vida. Às vezes eu duvidava de que o tinha esquecido, que já o tinha deixado para trás. Em momentos como aquele, eu dizia a mim mesma que eu era dele. Eu ainda era aquela menina apaixonada pelo Rafael. Faria tudo de novo. E meu esquecimento por ele não passava de uma mentira que eu contava a mim mesma.
Por fim, ele deu um sorriso.
— Descomplica, Ay.
Abaixo os olhos.
— Desculpa, Rafa. Eu... eu tenho sido tão injusta com você, e você tem feito tanto por mim. Eu só preciso que as coisas continuem como estão. Não sei se quero mais dor, entende?— ele assentia. — Sinto que estamos conectados, de uma forma, tipo, bem grande. — ele sorri. — E eu não quero estragar tudo de novo. Não agora; não assim.
Ele ouvia com cuidado e assentia. Sua decepção era evidente.
— Pode viver com isso?— pergunto.
— Claro, Ay. — ele responde.— Só não quero perder você de novo. Com o resto eu consigo lidar.
Dou um sorriso calmo. Procuro a mão dele, que logo agarra a minha.
Deus, era tudo tão familiar. As carícias de dedo; o modo como nossas mãos ainda se encaixavam perfeitamente; o cheiro que vinha dele; o modo de me olhar e até de sorrir para mim; o modo de dizer que não queria me perder. Era tudo tão... nosso.
Rafa me pegou encarando nossas mãos dadas e levantou meu queixo com a mão livre, até que pudéssemos nos olhar nos olhos novamente.
— Amigos, então? — ele pergunta.
Embora eu soubesse o quão tentadora era aquela pegunta, pensei nos últimos meses e em tudo o que já passamos. No quanto sofremos pelas nossas escolhas; e embora eu ainda amasse o Rafael, eu não queria tentar nada agora. Pelo menos, não agora.
Era a garantia de um tempo a mais.
— Parece ótimo para mim. — concordo, ele abre os braços para me abraçar.
Eu tinha feito todos esses planos que envolviam o Lucas e hoje eles não existem mais. Seria engraçado se não fosse trágico — como as coisas mudam gradualmente, e depois de um tempo aquela pessoa que você considerava tão vital na sua vida já não está mais lá.
E você continua respirando, você continua vivendo mas uma parte de si mesmo ficou para trás, há um rombo no teu coração e você sabe disso porque doí e arde e queima, e o gosto na sua boca é de algo que morreu há muito tempo.
Nem mesmo os detalhes de mim permaneceram desde que o Lucas se foi. Mudei os quadros na parede, aprendi a cozinhar, comprei novos sapatos e frequento novos lugares. Até experimentei novas festas e me embebedei com outras bebidas ao invés do usual.
Eu me reinventei completamente (ou quase) e mudei o corte de cabelo, porque o antigo me lembrava muito do jeito com que os dedos dele corriam por entre meus fios cor-de-mel. E eu escrevo agora sobre fins que na verdade são recomeços. Aqueles que por tanto tempo fingi temer e amar.
Dói crescer, dói mudar. Só dói, mas eu não tenho que sofrer o tempo todo por isso. Porque a dor do fim não me define. Nem mesmo os passos lentos pra um recomeço.
Eu vou no meu tempo. Tá tudo bem. (ou pelo menos vai ficar.)
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Menina, maré.
Storie d'amoreEstar perdida nem sempre é sinônimo de adolescência. A vida fica um pouquinho mais difícil quando temos que lidar com nossos sentimentos e com os sentimentos alheios. Essa é a minha história. Se você também anda meio machucado (a) com algo, saiba q...