Eu te desejei, Ayra.
E foi estranho porque eu já desejei outras pessoas antes, mas ao vivo e em cores as condições não eram favoráveis. Eu te desejei e não coube em mim, e eu não soube por onde vomitar isso que estava me incomodando. E então eu percebi que eu não podia levar isso pra frente porque não havia frente. Nós éramos bons no tempo presente, e só.
Eu te desejei e não soube reagir quando eu tive que ir embora pra tentar poupar você, ou quando você me ligou chorando pela primeira vez. Eu nunca soube o que dizer. Eu te desejei e sei que isso foi furada, porque eu ia querer pra sempre algo que não vou poder ter. Mancada minha.
É que não dava pra pensar direito com você ali quentinha nos meus braços dizendo coisas fofinhas. E seu sorriso contagiante dizendo que você queria me botar na tua mala e fugir comigo. Eu deixaria.
Mas eu fugi antes de você poder notar por amor à quem você poderia se tornar sem mim. Você merece mais.
Queria me esquecer aqui nessa varanda e fazer durar pra sempre esse encontro multidimensional, e fingir que a vida era simples e que eu não me odeio. Era fácil fingir tudo isso com você. Mas não era certo.
Vou dizer apenas que eu tô aqui rezando baixinho pra tudo estar mais simples no nosso próximo encontro e que no outro dia eu acorde sorrindo porque viver depois foi tão fácil quanto te beijar. Mas viver não é fácil, você já me dizia isso.
E eu me odeio. (por isso?)
— Você vai estudar lá sim, Rafael. Sua avó e eu não temos condições de pagar um transporte para levar você pra outra escola. E fim de papo. — meu avô bate o punho na mesa.
Eu bufo.
— Não estou pedindo para me levarem. Eu mesmo vou, apé. Eu saio de casa mais cedo, venho direto pra casa. Afinal, não tem muito o que fazer aqui. — eu digo, olhando para o chão.
— Por que você não quer. — meu avô responde, rápido. — Seus amigos estavam procurando por você à semanas, mas você os ignorou completamente.
— Eles não são meus amigos. — respondo.
— Bom — ele diz. — Então trate de arrumar amigos novos. De preferência da sua nova escola.
Levanto da mesa, afastando a cadeira e a fazendo rangir sobre o chão de madeira.
— Pois eu não vou. Já disse à vocês. Boa noite, vó. — dou um beijo na bochecha da minha avó que estava costurando em um canto escuro da sala, e vou para o meu quarto.
Meu avô vai atrás de mim. Deito na cama, virado para a porta.
— Você acha isso certo, Rafael? Nos fazer passar por isso?
— Isso o quê? Ter que me criar também? É demais para você?
Ele se aproxima e agarra meus braços.
— A sua mãe não deu a vida por vocês para ter que ouvir isso. Ela ficaria decepcionada de ver no que você está se tornando, rapaz. — ele fala, olhando nos meus olhos.
Me livro daquelas mãos e enxugo rapidamente algumas lágrimas que ameaçavam a cair.
— Eu deveria ter mandado você para um orfanato quando tive a chance. — meu avô diz, e foi a gota d'água.
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Menina, maré.
RomanceEstar perdida nem sempre é sinônimo de adolescência. A vida fica um pouquinho mais difícil quando temos que lidar com nossos sentimentos e com os sentimentos alheios. Essa é a minha história. Se você também anda meio machucado (a) com algo, saiba q...