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— Eu, Benjamin, Lô e Marcelo estamos marcando de passar na minha casa sábado após o jantar de formatura. Se você topar, Ay, tenho certeza de que vai ser ainda melhor. 

            Eu estava sentada na mesa do refeitório com Alice.

            — Acho que tenho que escrever para a editora, Alice. Eles são muito escravocratas, vai por mim. — minto, mas não em tudo. Realmente a editora 1024 caracteres, para qual eu estava trabalhando fazia alguns meses vinha exigindo muito de mim. — E eu estou atrasada em alguns projetos...

            — Ay, você precisa sair com a gente. Estamos te achando muito distante ultimamente. Sei que já esteve melhor mas há outros modos de lidar com uma perda, amiga. E você já foi melhor nisso. 

            Abaixo o olhar, ruborizo.

            — Eu vou estar aqui para o que precisar, Ayra. Apenas acho que você deveria ir. Sabe, vai ser legal. — Alice tinha um sorriso amigável no rosto. Queria ajudar. 

            — Okay. — digo, por fim. 

           Ela da uma risadinha e volta a bebericar a Coca, dando curtos goles e olhando em direção à quadra de basquete. 

            — O... O Rafa vai? — pergunto, tentando não soar interessada demais. E falhando miseravelmente

            Ela volta o olhar para mim, analisando minha expressão e percebendo a raiz do problema. Por fim, Alice sorri e responde:

            — Não. Ele já tem um compromisso após o jantar.

            Achei estranho o modo como ela disse "compromisso".  Dava a entender que ela sabia mais. 

            — Compromisso? — pergunto, tentando manter uma expressão calma e despreocupada. 

            Era uma conversa normal sobre os planos do eu ex para um sábado a noite, e talvez eu estivesse sendo invasiva demais. Ótimo. 

            Ela percebe minha curiosidade. Quando vejo uma pergunta se formando em sua boca, falo rapidamente:

            — Bom, ele nunca dispensa vocês. — tento disfarçar. 

            — É. — ela concorda. — Ele vai sair com a Ana.

            Ela fala com cuidado, como se escolhesse o melhor jeito de explodir uma bomba.

            Aparentemente a minha amiga estava com medo de me dizer aquilo e eu não podia de maneira alguma parecer afetada. Afinal, quem impôs o Contrato De Amizade entre o Rafael e eu tinha sido eu mesma. 

            Engulo em seco; tento não demonstrar o quanto aquilo me atingiu em cheio. 

            — Ana... Ah, então agora vamos ser só nós, né? — falo.

             Alice me encara, segurando a lata de Coca perto da boca como quem diz : "você se importa, isso é evidente. Pare de fingir."

             — Ei. — ela me chama. — É apenas um encontro de amigos. Rafael já disse que nunca tentaria nada com ela. Aliás...

            — Esquece isso, Alice. É normal. — pego a Coca das mãos dela e dou um longo gole.

            Ela assente.

             — Agora precisamos encontrar alguém para você beijar. — ela fala, quase cantando. Parecia entusiasmada. 

            — O que? — falo, rindo. — Alice, nem comece! 

            — Está brincando? É claro que você vai beijar! — ela rebate. — Precisamos empatar os placares com o Rafa. 

            Ela nem percebe o que tinha dito, da uma risadinha e volta a concentrar-se na quadra de basquete, pondo fim a nossa conversa.

            Fico confusa sobre o que ela disse, e quando entendo, sinto um friozinho estranho na barriga. 

            "Empatar os placares." Será que o Rafael estava beijando mais bocas do que eu já imaginava? E, céus, por que isso estava me afetando tanto? 

Naquela noite eu sofri.

            Eu estou enlouquecendo de novo. Não queria que isso acontecesse. Abraçada ao meu corpo, sozinha no quarto, balançando de um lado para o outro como se dançasse com alguém ao som de The Neighbourhood, minha banda favorita. O vinho já começa a fazer efeito, começo a sentir um calor descomunal por conta da bebida que eu digeri sem pudor algum. 

            Que falta você me faz, Lucas. Eu me sinto vazia. 

            Mesmo com as mãos trêmulas eu ainda consigo desenhar cada um dos teus traços. Há papéis com rabiscos que me remetem à você espalhados por toda casa. Tão vazia quanto meu coração. Escuto o som da tua voz chamando pelo meu nome, procuro incessantemente pelo quarto, olho pela janela, na esperança de te ver lá embaixo, me aguardando para sairmos juntos. 

            Mas você não está lá. Seu vulto me assombra sem piedade, mexendo com a minha lucidez já abalada devido ao álcool. Eu estou com saudades e cansada de recuar sempre que alguém me toca como você. Lucas, eu vou amar de novo? 

            Só quero ficar aqui, fazendo companhia para o fantasma de você. 









Menina, maré.Onde histórias criam vida. Descubra agora