forty eight

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— Certo, senhorita. E o seu nome? — o homem me olha com um olhar interrogativo e covarde.

            Pisco algumas vezes, voltando a realidade das pessoas (muitas) que me olhavam, esperando uma resposta.

            — Amora. — respondo, após um certo tempo, me lembrando do porque eu estava ali. — O meu nome é Amora. Ele é meu amigo. 

            Eles se entreolham, duvidosos. Por fim, balançam a cabeça negativamente e dão um sorriso triste.

            — Sinto muito, querida. — a enfermeira diz.

            Amora era o meu nome dali pra frente. Ou melhor dizendo, o meu nome para uma pessoa.

                      ——————

Ah, baby, até a vida tem prazo de validade. Por que o amor não teria?

            Eu acho que muitas vezes ficamos relutantes em deixar alguém porque é mais ou menos o sentimento de deixar a casa onde crescemos. Assim:

            você conhece cada canto do lugar; onde já esteve cada coisa; acompanhou todas as reformas; sabe onde existem rachaduras; reconhece o rangir de cada uma das portas;
 já riu e chorou por lá; o lugar te viu crescer e obviamente quanto mais você crescia, mais espaço ocupava nele; e ele em você.
        
            Ir embora soa quase impossível, não? Pois é. De casa também.

— Então, quando eu voltar, você acha que nós podemos tentar... De novo... — o Marcelo diz quando termino de contar as últimas semanas para ele na ligação.

            — Bom, por mim, sim. Eu adoraria.

            Eu dou uma risada curta.

            — Eu estava com saudade dessa risada, Ay. Não vejo a hora de voltar para o Brasil. — ele fala, ansioso.

            — Fiquei sabendo que o Big-Bang é muito legal, senhorito. Imagino que queira ficar aí por mais alguns meses.

            Ele da uma risada.

            — É, aqui é bacana. Um dia eu trago você aqui. Prometo.

            Dou um sorriso radiante e torço para que de Londres ele consiga enxergar.

            — Mas só se prometer me ligar mais vezes enquanto eu não volto pra São Paulo. — ele completa, rindo.

            — A ligação é cara, sabia? Sabe que se eu pudesse eu te ligava todos os dias. Toda hora... Sinto sua falta, cara. Saudade de te abraçar ou de sentar na sua bicicleta e ir pra qualquer lugar... Volta logo. — eu digo, e sinto algumas lágrimas chegando.

            — Londres não tem graça nenhuma sem você aqui. — ele fala, me fazendo sorrir. — O Big-Bang é bonito, mas eu daria tudo pra ver as horas no relógio sem pilhas da sua casa.

            Balanço os pés, encarando o céu na madrugada.

            — Tá tão bonita. — ele fala, baixinho.

            — O que está bonita? — pergunto.

            — Você.

            — Faz dois meses que você não me vê. E eu estou descabelada e com pijama de flanela. — falo.

            — Não preciso ver para saber que está. Tá tão bonita, menina. Eu adoro seu pijama de flanela. — dou um sorriso com essas palavras. — E a meia de pandinha que tu não dorme sem. E, claro, está encarando o teto com esses olhos enormes e, certamente que está sorrindo agora. Você tem três livros para terminar de ler, mas não consegue se concentrar. Tem que por Lúcifer e Game of Thrones em dia também. Já anotou alguns spoilers para mim. Continua tomando duas xícaras de café-com-leite de manhã e fingindo que está bem mas nesse exato momento você está cogitando a ideia de me contar que está se sentindo feia por não passar nenhuma maquiagem à um mês, e que anda triste e sozinha demais, o que Alice já me contou semana passada. Sim, você está preocupada em saber se eu estou bravo por não ter sido sincera sobre estar bem. Mas mesmo com tudo isso, você continua linda. Eu te beijaria agora, mas estou a milhas de distância.

            Dou uma risada.

            — Eu te amo tanto. — é a única coisa que digo.

            Aperto os olhinhos.

            — Eu te amo também, Ay. Jajá tô de volta. Vai, pode descansar agora.

            — Mas você vai desligar? — pergunto.

            — Não, Ay. Vou ficar aqui até cair no sono. Prometo. Agora, fecha os olhinhos e tenta descansar.

— Ay? — ele me chama, algumas horas depois. — Bom, já que você dormiu, estou indo também. Te amo, muito mesmo. Missão cumprida, princesa.

Perguntas me rodeavam enquanto a água quente do chuveiro descia pelo meu corpo nu.

            Aquela água caía fervendo entre meus peitos deixando-os vermelhos.

            Não soube se era realmente pela quentura da água ou se ainda restava vestígio da brasa que implorava para sair de mim.

            [eu nunca suportei o fato de esconder algum sentimento, reprimi-lo o fazia sair para fora e transbordar como lava de um vulcão em erupção.]

            Eu era um vulcão.

            Aquilo me ardia tanto quanto uma queimadura de 3° grau, e eu tinha medo que aquelas chamas altas virassem apenas cinzas. E virou.

           [um filme dizia que: embora todos nós nascemos com uma caixa de fósforos em nosso interior, não podemos virar fogo sozinhos, precisamos de oxigênio e ajuda de uma vela. Apenas nesse caso o oxigênio tem de vir. Por exemplo: a respiração da pessoa amada serve de oxigênio. A vela pode ser qualquer tipo de comida, música, carícia, palavra ou som que faz disparar o detonador e assim inflamar uma das partidas. Por uma vez que se deslumbrar com uma emoção intensa. Ele fará ocorrer em nós um calor agradável no interior, e depois irá desaparecer gradualmente à medida que o tempo passa, até que venha uma nova explosão para reanimá-lo. Cada pessoa tem que descobrir quais são os seus detonadores para viver, porque a combustão ocorre em poder de um deles.]

            É o que alimenta a energia da alma. Em outras palavras, esta combustão é o seu alimento.

            Se você não descobrir a tempo quais são os seus próprios gatilhos, a caixa de fósforos poderá molhar e uma vez que isso ocorrer, a alma escapa do nosso corpo e fica vagando, indefesa e fria na escuridão mais rasa tentando em vão encontrar comida para si mesma.

            Rafael, tu foste o oxigênio que incendiou minhas entranhas. E a cada encontro sabia que era de ti que eu precisava para manter-me acesa. Tu incendiava junto comigo. Éramos como fogos de artifício no ano novo, brilhávamos conforme o ritmo aumentava. Eu me sentia viva e cada vez mais desesperada. Sei lá se era amor.

            Mas a maneira como aquilo me corroía era intensa [e eu tinha medo] e das vezes que eu tentei apagar, todas foram mal-sucedidas.

            Se queimar é como amar, eu desgraçadamente te amei e não me arrependo disso nem por um segundo.

Menina, maré.Onde histórias criam vida. Descubra agora