forty two

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Sinta tesão pela essência. corpo apodrece; alma não.

            Os capítulos narrados anteriormente ocorreram no espaço de um mês. E outras coisas aconteceram também.

            Os dois capítulos a seguir serão narrados pela pessoa que partiu meu coração porque eu sinto que ela tem algo à me dizer. Oi, Rafa. Pode me dizer a sua versão da história?

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            São Vicente. Praia. Sinto, estranhamente, uma sensação nostálgica e vazia ao por os pés, novamente, no meu lar. Afinal, era isso o que ele era? Ou deixou de ser quando ela se foi?

            Respiro fundo observando as ondas quebrarem. Por um instante, lembro de um par de olhos castanho-escuro, o mesmo que eu deixei em São Paulo. Sinto minhas costas pesarem ao lembrar do perfume doce e suave que vinha dela, quando ela mexia os cabelos ou, sem querer, alguma mecha caía perfeitamente em um lado do rosto. Eu também gostava do jeito que ela observava o sol se pôr, do jeito que dizia "então" inúmeras vezes numa frase. Eu odiava isso, mas eu passei a gostar. Eu passei a gostar dela. 

            Faço uma lista mental das coisas que eu mais gostava nela enquanto as ondas se entrelaçavam num encontro, como se elas se pertencessem. E eu entendo a palavra lar.

            Mas eu não me sentia em casa. Era como se um vazio tivesse tomado conta do meu peito quando a minha mãe morreu, e voltar pra cá me lembrava dela. E da Sol. A minha Sol. Dou um suspiro e fecho os olhos, tentando lembrar da Ay uma única vez, sem doer.

            Eu não era a pessoa certa para ela, pensei. Mas eu a queria mesmo assim.

            Ela me julgou errado nas nossas últimas conversas por eu não saber amar. Talvez seja porque eu nunca fui amado, ela disse. E talvez seja verdade, Sol. Talvez seja a verdade.

            Mas eu me sentia amado por ela. Eu sentia que a Ay me amava quando corrigia meus erros mas nunca, nunca desistia de mim. Eu sentia que ela me amava quando estava observando ela dormir e o quão serena ela ficou, só por eu estar ali. Eu senti que ela me amava quando eu parti e ela ainda tentou se remontar. Eu sinto que ela me ama porque ela é assim, ela cumpre promessas. Ela é certa e justa. Ela prometeu que iria me amar, e não há palavra dita da boca pra fora que possa mudar isso.

            Observo as ondas se encontrarem novamente. Penso em como ela deve estar. Penso nas nossas coisas que nunca deixarão de ser nossas. Mais uma vez, tento me lembrar do rosto dela. Eu quase me esqueci do jeito que ela sorria. Eu quase esqueci o rosto dela, por um minuto.

            Só pra constar, eu nunca esqueci o seu rosto, ela diria.

Minha tia pega as malas pela alça e me mostra o meu quarto daqui pra frente.

            O lugar era mais ou menos como eu me lembrava. Alguns livros nunca lidos na prateleira, alguns brinquedos da Anelise espalhados pelo chão, porque claramente ainda dividíamos o mesmo quarto.

            A casa que antes era cheia e alegre, hoje não passava de pó.

            — A vó tem passado mais tempo na varanda agora, não se preocupa, Fael. — minha irmã diz, ao me ver procurar minha avó pela casa.

            Olho para Anelise, tentando me lembrar de como ela era à 8 meses atrás. Minha irmã agora tinha 7 anos. Alguns dos seus cachos ainda eram cachos, mas estavam maiores, dando um volume engraçado na cabeça dela. Incrivelmente, minha irmã se parecia muito com a minha mãe, o que não me permitiu a observar por muito tempo mais.

Menina, maré.Onde histórias criam vida. Descubra agora