forty seven

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[eu cansei.]

            alguns textos perdidos nas notas...

            lembra daquela lista de coisas para fazermos que eu te escrevi? lembra dela, da letra torta, de ler as entrelinhas? (tem tanta coisa entalada na minha garganta, meu amor.)

            eu sei que você ainda guarda essa carta em algum lugar empoeirado porque nós nunca vamos completá-la. e essa não é a única coisa que não vai ser na lista de coisas que nunca faremos. nunca.

            eu nunca mais vou acordar ansiosa por uma mensagem tua porque a ausência é algo com que se acostuma e eu nunca vou ver de novo seus dedos finos acariciando a palma das minhas mãos. ou examinar cautelosamente cada pinta que compõe a simetria do teu rosto. eu nunca. nunca mais vou poder jogar videogame no mudo com você, enquanto você ria de coisas banais. nunca vou poder escolher a música que ouvíamos enquanto você cozinhava algo rápido ou só passava um café para mim. nunca.

            nunca vamos ao zoológico rir da nossa própria natureza selvagem ou assistir Interestelar como eu tanto assisti. nunca vamos sentar e discutir sobre a existência de coisas que não sabemos se existe, como Deus, os dinossauros ou amor de verdade.

            "eu não acredito em amor de verdade.", eu dizia. eu deveria acreditar?

            nós nunca vamos chorar de tanto rirmos juntos ou atravessar a ponte que delimita relacionamentos. nós nunca atravessamos, meu bem. nós nunca vamos patinar no gelo e rir dos tombos ou tirar fotos bobas. nunca vamos morar naquela casinha no Canadá com a Alice.

            (tem tanta coisa entalada na minha garganta, meu amor.)

            eu me lembro do 26 de maio, dos filmes de terror baratos, dos videogames e beijos lentos, e na minha cabeça essas visões pararam. elas ficam se repetindo na minha cabeça, gritando sobre todas as coisas que nós nunca mais faremos. you and I. eu sinto você me esquecendo como o ar leva o pó pra dentro das coisas velhas.

            somos algo velho que já não vive mais. que nunca vai. nunca.

            eu tinha te dito que a palavra mais triste era quase, mas eu estava errada. é nunca. e eu nunca imaginei que terminaríamos assim. nunca.

            eu não sei por que destruímos tudo. eu sempre gostei de deitar no chão e olhar pro teto. o vazio me dá paz mas o vazio que você deixou foi como um soco que violou todas as minhas borboletas no estômago. e elas estiveram lá até o último segundo em que o nós ainda era algo parecido com nós. eu não sei por que destruímos tudo.

            ainda sinto o cheiro do teu perfume que me invade os sentidos sem pedir licença. você me perguntou se poderia ser agressivo comigo e quando eu disse sim eu não pensei que seria mais do que simplesmente na intensidade de amar. a marca das tuas palavras ficam no meu coração como a marca das duas digitais fica em mim.

            eu não sei por que destruímos tudo, porra. foi o vazio? fui intensa demais? seca demais? doei demais? transbordei? me doí demais? o que foi demais ou o que faltou nas suas entrelinhas que eu não pude preencher com as canetas do meu afeto? porque agora eu escrevo para entendê-los. você me disse que não queria me perder.

            esse é um texto sem título. eu juro que não é mais sobre você, baby. mas ainda é. você me mostrou como quebrar promessas.

            talvez nós não mereçamos o amor. eu pensei nisso numa quarta-feira de agosto. o mês de celebração da morte de Cleópatra. o mês de celebração da morte de todas as coisas. incluindo a nossa. e assim como eu amo a História vou amar a nossa, mesmo agora morta.

            talvez nós não mereçamos o amor. já pensou nisso, baby? we don't deserve love.

            eu vou escrever em outras linhas. com outras cores que não as tuas. a tua favorita era preto. eu lembro, porque te analisei e previ exatamente o que você iria dizer. pessoas que gostam de preto são clássicas, eu disse. acho que você riu. eu não lembro.

            e entre as coisas que nós dissemos e o que nunca vamos dizer, há um espaço que cabe perfeitamente a minha silhueta. no nada. as memórias vão se esvaindo com o remoer e trilhar do tempo e eu não sei se isso é bom ou ruim, e na verdade eu nem sei se esse texto é um texto. é só mais uma das coisas que escrevo sobre nós enquanto teus horizontes se espandem e eu me encontro dentro duma caixa de pandora.

            imagino o nosso futuro. como ele teria sido.

            eu sou nostálgica e feita de museus e retalhos de um passado imaginário, e de futuros alternativos. sou o porta-retrato daquilo que nós nunca fomos. eu posso rir disso um dia. você está na minha gavetinha de amores-que-quase-deram-certo.

            gosto de história mas não posso reescrever a nossa. e tenho medo do futuro porque ele não te inclui no aqui. nem no agora. mal temos o agora, meu amor. e eu deixo as memórias irem embora cada vez que um rosto no transporte público se transforma no teu. por que você virou tão casa, tão lar, porra? mas eu cansei.

            eu vou desbravar outros livros que não o nosso. vou ver outros filmes que não os teus. vou ouvir outras músicas que não a tua.

            meu bem, eu tô indo tão bem sem você... não posso nos reescrever mais, por respeito à mim mesma e aos meus sentimentos. VOCÊ É PASSADO!

            não posso nos escrever mais. porque você morreu pra mim. não te amo.

agora, vou te contar o que aconteceu alguns meses antes desse capítulo...

Menina, maré.Onde histórias criam vida. Descubra agora