|Capitulo 45|

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Capítulo 45

|Francisco|

Acordei com uma dor de cabeça insuportável, fruto da maravilhosa ressaca que me tinha atingido de forma merecida.
Eu era um completo idiota.
Ou melhor... Eu sou um completo idiota.
Pouco ou nada me recordava da noite anterior ou melhor... Pouco ou nada me recordava do que tinha acontecido desde o momento em que saí do treino até ao momento em que cheguei a casa.
A partir daí, as coisas ficavam um pouco mais nítidas na minha cabeça. Eu lembrava-me de discutir seriamente com a Mariana e de a ver fazer as malas mas tudo terminou com ela a dormir comigo na nossa cama.

Portanto, estava tudo certo. De alguma maneira, eu bêbedo tinha uma capacidade de resolução de problemas maior do que quando estava perfeitamente sóbrio.

Os meu olhos foram bombardeados com uma luz forte vinda do exterior da minha casa e fui obrigado a semicerrá-los para poder observar a divisão. Procurei pelo rosto da jovem rapariga mas, por algum motivo que me escapava, ela não estava comigo.
Levantei-me instintivamente e fui até à casa de banho, abrindo a porta para garantir que ela não estava lá. E não estava.

Escusado será dizer que percorri a casa toda à sua procura e só me dei por vencido quando reparei que o seu carro não estava em frente à entrada do edíficio.
Ainda que me recordasse de ter ido dormir com ela, decidi duvidar da minha memória de bêbedo e abri o guarda-roupa, apenas para confirmar que as suas coisas ainda se encontravam ali.

Mas não se encontravam. Tudo o que lhe pertencia tinha, miraculosamente, desaparecido do vestuário do meu quarto.
Sentei-me na cama, apoiando os cotovelos sobre as minhas pernas e o rosto nas mãos. Não queria acreditar no que tinha acabado de ver e recusava-me a fazê-lo.

Como é que ela tinha tido a coragem de me abandonar?

Certo, muito provavelmente, eu tinha dito coisas que a magoaram mas eu estava completamente alcoolizado.
Ela poderia ter tentado compreender ao invés de se ir embora sem me dizer nada, sem se explicar.
Eu não estava preparado para que ela se fosse embora. Eu precisava dela! Dela e do nosso bebé.

Mas, pelos vistos, eu era o único que se sentia dessa forma no nosso relacionamento e a prova disso é estar a chorar compulsivamente como um bebé enquanto encaro a metade vazia — ou melhor... dois terços — que as suas roupas ocupavam no roupeiro do meu quarto.

Levantei-me e caminhei lentamente até à casa de banho, preparando-me para tomar um duche. Não era justo ficar a sofrer por alguém que não se sentia da mesma forma, que não correspondia ao sentimento.

Tomei um banho rápido e saí para o meu quarto, vestindo-me rapidamente. Desci até à cozinha e preparei um pequeno-almoço simples. Assim que terminei a minha refeição, tomei uma aspirina para me ajudar com a bendita dor de cabeça e alcancei o meu telemóvel em cima do balcão.

Mandei mensagem ao Graça a perguntar-lhe se estava disponível para me mandar para a cabeça durante algum tempo. Bom, o objetivo inicial até podia ser desabafar com ele mas o meu grande amigo não era lá "essas coisas" como ouvinte. Se havia algo que o Graça sabia fazer era reclamar... Reclamar e mandar-me para a cabeça.

Mas era mesmo de um amigo assim que eu precisava porque, pelos vistos, a única maneira do Senhor Francisco Ramos aprender era assim — ainda que, muitas vezes, nem assim aprendia.

Teimosias à parte, combinei de encontrar-me com os rapazes — Graça e Ruis. O Diogo não estaria presente porque tinha algum tipo de compromisso mas também não nos deu muitos pormenores.
Subi para o meu quarto, arrumando-o minimamente enquanto me tentava distrair em relação à ausência da pessoa que tinha estado a morar comigo no último mês.
Era estranho não a ver a andar de um lado para o outro, a tentar ajudar-me mesmo que eu estivesse farto de lhe dizer que não era necessário, que eu conseguia fazer as coisas sozinho e que preferia que ela descansasse. "Mas eu não sou nenhuma aleijada, Francisco Augusto". Ugh. Lá estou eu a pensar nela e a submeter-me ao sentimento de culpa por tudo o que está a acontecer.

Não valia a pena estar a martirizar-me! Se eu tinha estragado tudo? Tinha. Se eu tinha feito com que a mulher que mais amei na minha vida fosse embora? Também. Mas se ela quisesse... Teria ficado, certo?

Deixemos isso para que outras pessoas se preocupem. Terminei de arrumar as minhas coisas e agarrei na minha carteira e chave do carro, descendo novamente. De telemóvel na mão, abandonei a minha habitação que me parecia totalmente vazia e enfiei-me no meu carro.

Dirigi até casa do Rui Pedro e não me surpreendi por encontrar os carros dos restantes convidados já lá estacionados — eu era sempre o atrasado.

Saí da viatura e parei em frente ao portão, tocando na campainha. Baixei-me para aparecer na câmara de segurança e acenei para o ser humano que estivesse do outro lado a ver-me.

Numa questão de segundos, a minha passagem foi permitida e eu já me encontrava no hall. Fui recebido pela Bárbara, namorada do Rui Pedro.

— Bom dia, Francisco! Está tudo bem? Estás com bom aspeto. — Afirmou, colocando a sua mão sobre o meu ombro.

"Bom aspeto". Claro que sim! Eu estava fantástico.

— Bom dia... Sim, está tudo. Onde é que estão os rapazes? — Inquiri, afastando-me bruscamente da mão da jovem.

— Estão na sala a jogar Fifa... porque pelos vistos é o que vocês entendem por "diversão". — Constatou, revirando os olhos em seguida.

— A minha experiência leva-me a crer que é melhor do que ir para uma festa e voltar a casa num estado lastimável. — Observei, interpretando o adulto que deveria existir em mim.— De qualquer das maneiras, vou juntar-me a eles... Obrigado.

Afastei-me da namorada do meu colega de equipa, tentando evitar que o meu olhar caísse em lugares indevidos — não me julguem, eu tenho olhos na cara por algum motivo.

Ooolhem quem é ele! — Exclamou o Pires assim que entrei na divisão.— Então, tudo bem, puto?

— Claro que sim, estou ótimo. — Confirmei, sentando-me ao lado do Salazar.

Ainda bem que estou a falar com o meu subconsciente porque se o Graça sequer sonhasse que lhe tinha chamado dessa forma, eu era um homem morto.

Depois de receber um olhar desconfiado do meu amigo mais próximo no Porto B, foquei-me no ecrã da televisão, seguindo o jogo com o meu olhar atento.

E a manhã foi passada dessa forma. Ficámos a jogar e a atirar conversa fora enquanto eu me esquecia parcialmente do motivo pelo qual estava ali. 

Shut Up |FR| ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora