6. Quer se trate de casa, das estrelas ou do deserto.

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- Hey baby. – a voz melódica de Felix podia ser ouvida em suas costas – Você está bem? – Ela sentiu as mãos dele sendo apoiadas em seus ombros magros em um toque suave. A brisa fraca acariciava seu rosto. Escutava o barulho dos carros em movimento logo abaixo. As vozes desconhecidas com músicas também desconhecidas fundindo-se em um único som ao longe. A rotina de uma grande metrópole sendo desenhada a sua frente. O sol indo embora com o dia, tornando-se um desfoque em segundo plano. O clima noturno fazendo-se presente pelas poucas luzes que já se mostravam tímidas. Ela tinha sentido saudades de estar ali.

Apoiava as mãos trêmulas no batente da janela. Não se lembrava de ter feito um caminho consciente até ali, naquela janela totalmente escancarada, onde aquele universo cheio de singularidades podia ser visto por ela, como se as laterais da janela fossem uma moldura e a paisagem ao fundo um tela. A paisagem dali era exuberante, apesar da localização do prédio. Sabia que estava no apartamento de Felix, um lugar que o primo tanto insistia para ficasse. E jamais cogitaria ficar se não fossem todas aquelas as circunstâncias.

Lembrou-se da empolgação de Fee quando dissera que havia alugado aquele apartamento no centro da cidade, isso há alguns anos, ela desde então nunca havia ido visita-lo. Em sua imaginação o local não teria uma paisagem daquela pela janela, e tampouco tão afastado do escritório dos Dawkins, mesmo sendo localizado na Adelaide West, no centro de Toronto. Delphine sabia que o primo morava naquele local muito antes de ter se formado em Western, e por mais que soubesse dos problemas financeiros dele, já que seu tio Aldous havia virado as costas ao filho por ser gay, negando qualquer apoio financeiro, estava feliz por Felix estar bem. Seu tio, Aldous Leekie, sempre foi uma pessoa extremamente conservadora e preconceituosa e desde o começo, quando Felix em seus doze anos se declarou homossexual, ele declarou guerra contra o filho, buscando respostas para a homossexualidade dele, algo que nunca chegou a lugar algum. Ela lembrava constantemente da sorte de Felix ter Virginia como mãe, pois sua tia naquele momento tão crítico, protegeu-o, e naquele presente, Delphine mesmo sabendo que a relação de Felix com o pai não era a das mais invejáveis, depois de todos aqueles anos, trocavam algumas palavras, o que era melhor que nada.

Delphine ainda estava em choque pela noticia recebida, aquele sentimento desconhecido em seu interior, talvez ira, talvez desapontamento, ainda não conseguia distinguir, pelo pouco tempo que tinha tido para acostumar-se com tudo. Tinha aquele pressentimento, que aquele pedaço de papel deixado com todo aquele sigilo, não era algo para ser comemorado, que por até então não saber de sua existência, definitivamente não seria algo bom. Seu pai sempre havia sido um homem cheio de surpresas e aquela notícia dada pelo primo, além de a ter surpreendido-a, estava deixando-a extremamente incomodada.

John ter deixado um testamento era entendido de duas formas pela primogênita das Cormier, a primeira era, que havia algum segredo bombástico que seu pai guardara toda a vida e que só poderia deixar vir à tona após a morte, algo que poderia mudar o rumo de tudo dali para frente, ou a segunda opção, muito mais plausível e que para Delphine era o real motivo daquele testamento, que ele havia deixado apenas para demonstrar o homem controlador que era. Uma das características mais insuportáveis em sua personalidade, de acordo com a filha. Estar morto não fazia de John Cormier um santo, e Delphine sabia daquilo. Amava sim o pai e tinha muito a agradecer por tudo, mas havia alguns buracos como o que ele deixara com sua partida que ele também tinha deixado em vida, o vazio de ter sido ausente em sua infância. Tinha também o buraco que ele havia deixado por ter escolhido Susan como esposa e responsável por cuidar dela, e aquele buraco só não se ampliou por ele ter aceitado sua súplica em deixa-la ir para um colégio interno, e não aumentar aquele vazio foi bom para Delphine, mas aquele buraco ainda estava lá, mesmo após aqueles anos todos, como uma ferida que nunca havia cicatrizado. Tinha que conformar-se com a morte recente do pai, por uma doença que ela sequer sabia da existência, e como se tudo, aquilo não fosse o suficiente, tinha que conformar-se também com o fato do pai ter premeditado tudo aquilo.

Defy ThemOnde histórias criam vida. Descubra agora