21. Dá me tristeza narrar essas lembranças!

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A água desceu com dificuldade pela garganta de Delphine que ainda sentia aquele incomodo e aquele nó, causado pelo choro e pelo choque que acordar lhe trouxera. Ela bebeu em pequenas pausas o conteúdo do copo que Felix havia lhe alcançado, devolvendo o recipiente assim que terminou, encarando o semblante de preocupação com o qual ainda era observada. Delphine não queria preocupar Felix com seus pesadelos, e naquele momento, talvez pelo choque, ou talvez pela vergonha de sentir-se tão vulnerável, não sentiu-se confortável para detalhar o ocorrido naquele sonho tumultuado e perturbador. Agradeceu tudo o que Fee estava fazendo por ela, além de das palavras de conforto e o ombro amigo, já que aquilo ajudou o susto passar e após a breve conversa que trocaram, ela ouviu os conselhos de Felix, e conseguiu naquele momento voltar ao estado normal. Quando ele pareceu não ter muito mais o que dizer, pediu para ficar só, e com muita insistência e promessas de que já estava bem conseguiu convencê-lo.

A imensa gratidão dela não podia ser medida, já que a presença do primo ali cessou o que para Delphine, era o mais difícil de ser controlado, suas lágrimas, e como que voltando para a realidade em que estava, queria entender o porque daqueles pesadelos terem voltado. Forçar um sorriso não muito convincente foi o máximo que pode fazer, e mesmo aquilo parecendo errado, foi o suficiente para persuadir Felix que instantes depois obedeceu às súplicas retirando-se do pequeno cômodo. Ao sair, Felix voltou a deixar o quarto do jeito que estava quando entrara, frio e escuro, um ambiente lúgubre que não parecia em nada com o qual ela já havia se acostumado até então, principalmente pelo silencio que surgiu assim que ouviu a porta bater.

A solidão já conhecida invadiu-a, e Delphine buscou uma resposta em meio a toda aquela descarga de emoções que haviam atingido-a de forma tão intensa. Ela queria alinhar os pensamentos, mas aquela inquietação pela resposta voltou a perturbá-la.

A jovem sabia que aqueles medos haviam fugido de algum lugar em seu interior, e ao repousar novamente o corpo magro, no emaranhado de lençóis que remexia na tentativa de encontrar uma posição satisfatória, ela desistiu, pois nada foi o suficiente para aplacar o frio que lhe afetava. Sabia que o frio não era tanto e que estava usando-o como desculpa, e foi naquele momento que Delphine prometeu a si mesma que enquanto não achasse resposta para tudo aquilo não descansaria,e muito menos dormiria de novo, porque seu maior medo se o fizesse era que todo aquele pesadelo voltasse.

Os minutos se passaram e Delphine sentiu o frio esvair, o corpo ainda dolorido latejava em alguns pontos, lembrando que precisava descansar e que boa parte daquilo devia-se tanto pela bebida ingerida,quanto ao fuso horário, além da mente que ela não conseguia aquietar, e foi então que ela ouviu um estrondo forte junto com uma vibração que ecoou pelas paredes do recinto, um som tão característico que ela poderia reconhecer em qualquer lugar que estivesse, aquele era o som de um trovão.

Trovões, assim como relâmpagos não eram do agrado de Delphine, um dos medos constantes, dos muitos que a jovem sempre tivera, desde a infância. Detestava tempestades e chuvas torrenciais, porque a força da natureza era implacável, e imprevisível, e detestar para ela havia sido uma maneira encontrada de mudar o foco do medo que não mais tinha desde os oito anos. Enquanto sentiu a escuridão daquele ambiente incomodar mais uma vez os olhos, e quase leva-la ao estado de inconsciência que tentava fugir, Delphine teve a lembrança que foi a resposta que havia insistido, mas não encontrara, ela recordou do dia em que John lhe ensinara, do porque ter medo era necessário e do porque detestar tempestades era mais simples do que teme-las.

Naquele típico dia na mansão Cormier, com um seio familiar invejável a noite fazia-se extremamente escura e a pequena Delphine que do longe via os clarões que refletindo-se na janela do quarto escuro chorava, e ela ouvia os estrondos fortes dos trovões, escutava a água caindo do céu com uma força que seus pequenos olhos de criança, jamais teriam coragem de encarar. Ela se escondia. Sabia que a luz havia sido apagada por alguém, mas tinha tanto medo que não podia levantar para acender, e enquanto tinha a cabeça coberta pelo cobertor pesado, viu o pai aparecer ali e iluminar o ambiente, ele acendera a luz.

Defy ThemOnde histórias criam vida. Descubra agora