7. Uma vez ou outra a gente se distrai e basta isso.

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O toque ensurdecedor e tão familiar acordou Cosima. Era seu celular. Não foi a primeira vez que o aparelho tocou nas horas que preencheram aquela tarde que passou tão rapidamente, e não pode esconder seu desapontamento em comparar que nas outras vezes, o toque não pareceu tão alto, nem tão longo e muito menos tão insuportável. A primeira ação que teve ao despertar foi observar a janela, como sempre costumava fazer, notando que a claridade que antes a havia incomodado tanto, já não se fazia presente. Ela podia observar a noite pedindo passagem em meio ao tom laranja e rosa desenhado ao fundo das nuvens cinzentas. Gostava de contemplar aquele entardecer rosado, onde em suas poucas tardes ociosas sentava na poltrona da sacada e fumava seu baseado de ervas naturais. Aquela era uma sensação indescritível para ela. Sentir a calma que vinha junto contemplação da natureza. Sentir o vento acariciando seu rosto. Ver as luzes da cidade aparecendo de forma tímida. Sentir o ar de mistério da noite junto com as promessas veladas da escuridão e as surpresas, sendo elas desejadas ou não.

Cosima era uma apreciadora da natureza desde seu tempo de criança em Kenora, considerava-se uma amante de todas suas formas de se mostrar. Ela gostava do pôr do sol e da maneira como o dia, mesmo acabando dava lugar a algo tão esplêndido como a noite, assim como gostava de ver como a noite mesmo sendo tão esplêndida dava lugar a algo tão radiante como o dia. Aquilo sempre remetia a jovem à ideia de como os recomeços eram necessários, e de como sua vida sempre havia sido repleta de fins, mas principalmente de recomeços. Cosima virou por algumas vezes na cama para desfazer-se do contato dos lençóis que insistiam em embrenhar-se no meio de suas pernas magras. Ficou satisfeita quando finalmente desviou de todos aqueles tecidos e chegou ao criado mudo, que era o local de onde o toque do aparelho podia ser ouvido. Seu humor que já não estava dos melhores continuava se esvaindo a cada segundo que o toque constante entrava de forma estridente por seus ouvidos, e como se tudo aquilo não fosse suficiente, o barulho era seguido das vibrações, e pelo aparelho estar mais longe do que ela tinha calculado foi necessário que ela sentasse na beirada da cama deixando os pés suspensos e com relutância esticou uma das mãos buscando o aparelho na extremidade oposta do móvel. Não escondeu sua satisfação ao sentir a vibração cessar e o toque se interromper. Ela levou o celular um pouco mais próximo ao rosto para que pudesse ler com mais facilidade o nome que se desenhava em meio as letras, "Felix", foi o nome que conseguiu ler e quando levava o dedo polegar para contestar a chamada viu a luz da tela escurecer repentinamente, com um gesto automático pressionou o botão superior do aparelho e viu que não houve nenhuma resposta, a tela continuava escura e seu humor, um borrão negro..

- Tudo o que estava me faltando nessa droga de dia! – praguejou fechando os olhos com raiva e puxando a respiração com força para logo em seguida expirar pausadamente. Presumiu que a bateria do aparelho provavelmente tivesse acabado, já que desde o dia anterior desapegara dele, não propositalmente, pois era uma refém da tecnologia, mas por ter a cabeça distraída, devido às tantas coisas que estava ocorrendo. Pressionou o interruptor ao lado da cama e não escondeu sua satisfação ao ver a claridade se fazendo presente, já que a penumbra havia tomado conta do quarto.

Cosima voltou sua atenção ao aparelho que tinha em mãos, e por ser uma pessoa um tanto quanto teimosa pressionou o mesmo botão, em uma última tentativa de confirmar sua suspeita quanto a bateria ter acabado, mas como na vez anterior, o aparelho continuou com a tela apagada.

- Droga de dia! – repetiu lançando o aparelho com raiava em meio aos lençóis observando o vulto azul se perder no meio dos lençóis, também azuis. Tudo naquele dia estava conspirando para confirmar sua teoria, de que nada podia estar tão ruim que não podia piorar. Ela levou as mãos junto aos cabelos torcidos que dava formato a seus dreadlocks no couro cabeludo. Usava aquele penteado nos cabelos castanhos escuros desde o colegial. Os dreads eram uma marca registrada de seu visual, expressavam o estilo de vida sem rótulos que ela gostava de manter, além da praticidade, agradeceu pelos fios em contato com as pontas de seus dedos não estarem muito frisados e em um movimento único buscou o restante dos cabelos que caía em meio a suas costas formando um coque alto que sem muito esforço amarrou com o primeiro prendedor que encontrou.

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