Capítulo 19 - Feras humanas

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Capítulo 19 – Feras humanas

       Aurora poderia permanecer deitada, chorar mais e ficar se remoendo. Contudo, tinha outros planos em mente. Uma característica irritante que havia herdado da avó maléfica era o hábito de criar planos para os seus intentos. Quando um não dava certo, ela imediatamente arquitetava outro. E como o último falhou com relação a Felipe, que estava ressentido e isolado, ela resolveu agir conforme a orientação dele, usando de sua esperteza. Iria vê-lo para avisar sobre a data do casamento, que foi definida considerando a mutação de lobo que ele sofria. Já havia decidido quanto às flores, em tons de pêssego e branco. Faltava cumprir com a exigência final para passar pela cerca viva.

      A guardiã sorriu, na certeza de que Felipe iria apreciar sua criatividade. Com uma tesoura, cortou a alça de um de seus vestidos, branco como o leite. Vestiu-se às pressas e se olhou no espelho. Resolveu enfeitar o cabelo com flores, presas a duas trancinhas, uma vez que haviam chegado à altura do ombro. Estava bem melhor do que antes.

       A porta se abriu, e uma avó preocupada invadiu o aposento.

- Aurora, vai mesmo deixar de comer? Eu pensei que... O que você fez com o seu vestido?

- Vou levar uns brioches e almoçar com Felipe.

- Precisa ir vestida assim?

- Sim, é a única chance que tenho dele aceitar minha presença. Ele disse que eu só entraria vestida de branco com uma alça só.

- Ele quis dizer vestida de noiva.

- É mesmo? Não foi assim que eu entendi. Que fosse mais específico.

       Solange se aproximou da neta e encarou o vestido dilacerado com olhar intolerante.

- Tenho mesmo que me acostumar com o seu senso de moda inovador, para controlar minha expressão quando você estiver se casando com... seu vestido incompleto.

- Existem vestidos que nem têm alça.

- Antes fosse um desses, mas o casamento é seu e o vestido é o menor dos problemas. Vá fazer as pazes com seu noivo, mas volte com apetite. Preciso que jante comigo vestindo algo razoável, pois os conselheiros serão chamados à mesa. É importante para discutirmos assuntos do Reino Encantado.

       Aurora franziu o cenho, nem um pouco ansiosa para voltar.

***

        Victor estava cheio de expectativas quanto a ser útil e ajudar no Reino de Campos. A presença dele deixou os humanos em alvoroço. Ele era de boa aparência, porte robusto, e educação exacerbada, tal qual um cavalheiro requintado. Ao cavalgar com Vicente ao lado, foi inevitável surgirem cochichos de comparação. O regente era mais sério, e um pouco bruto, porém mantinha certa elegância no andar, como um típico líder que levou uma vida militar, de embates constantes e conspirações.

        Não foi divulgado entre os campistas que o príncipe conversador estava em uma visita com a finalidade de investigar os desaparecimentos e a fera. Passado o burburinho do povo, às margens do reino, em meio à densa folhagem, a dupla que se encontrava adiante de um grupo de guardas montados e bem armados. Vicente ordenou que o grupo parasse e desceu do cavalo num rompante, indicando o local onde a última vítima acordou.

- As pegadas somem.- Victor observou.

      Vicente revirou os olhos. Tal informação já era mais que óbvia para todos os que estavam no local.

– Sabe me dizer se é um animal mesmo? – o regente perguntou.

– Parece pegada de coiote, só que é imensa. Um coiote do tamanho de um homem.

O Conto dos Contos 2 - A Lenda do Era Uma VezOnde histórias criam vida. Descubra agora