01 - Quando me dei conta

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Charlie

O silêncio da sala de cinema começou a me incomodar. Eu olhei ao redor com apreensão, buscando incansavelmente o que me incomodava tanto.

Mas era inútil.

O que talvez estivesse me incomodando tanto era ver todos vivendo vidas plenas e felizes enquanto que dentro de mim não existia nada.

Apenas loucura.

Não conseguia me dar conta de exatamente quando havia sido, mas algo em mim havia mudado, eu sentia, sabia no fundo do meu coração. Era como se algo existisse antes, mas agora eu simplesmente não conseguia encontrar.

Não que antes eu não havia notado isso, sempre fui completamente consciente de mim mesma, inclusive dentro do torpor pesado que a bebida alcoólica me proporcionava.

Álcool.

Eu estava há incríveis 3 horas sem colocar uma gota de álcool na boca. E isso me assustava, porque eu sabia que minha dependência não era apenas física, mas era principalmente psicológica. Eu precisava me embriagar para tentar enfiar qualquer coisa dentro de mim, para me distrair... para tentar manter o pouco de sanidade que eu ainda possuía.

Foi apenas por estar completamente embriagada antes que eu concordei em sair com meus amigos. E agora, praticamente sóbria, nesta estúpida sala de cinema, rodeada de pessoas estranhas e felizes... sentada ao lado dos meus melhores amigos, eu me dei conta, mais uma vez, de que realmente não havia nada dentro de mim.

Absolutamente nada.

As conversas no final do filme – ao qual eu quase consegui assistir, não fossem alguns outros... bem, detalhes – me inteiravam de todo o enredo manjado de filmes daquela espécie. Algumas pessoas choravam pela mocinha que ficou sozinha, perdendo seu grande amor numa história surreal de viagens no tempo.

Porém, não dei importância alguma àquilo. A única coisa que eu conseguia me dar conta naquele momento era a abstinência do álcool que fazia minhas mãos tremerem. Essa constatação me deixou com raiva, pois naquele momento não tive nenhuma dúvida da imagem que eu passava: além de louca eu também era a maior alcoólatra.

Comecei a sentir uma fúria sem limites dentro de mim, me fazendo respirar com dificuldade e apertar minhas unhas na palma da mão. A dor foi completamente irrelevante.

— Vocês são muito menininhas... a Charlie não derramou uma lágrima! — a menção do meu nome acabou me sobressaltando.

— O que? — perguntei um tanto desnorteada, virando meu olhar para os meus amigos.

— Os meninos estavam falando que somos muito sentimentais, chorando desde a música de abertura — riu Rose, sentada ao meu lado, olhando com olhos cheios de lágrimas para os créditos que rolavam na tela.

Sem realmente me importar em demonstrar minha completa falta de interesse no que William e Adriano tinham a dizer, olhei para o outro lado e encontrei Daniela com a cabeça baixa, provavelmente chorando ao ponto de ficar toda vermelha.

— Ah Dani, qual é... não foi tão triste assim, vai — soltei baixinho de forma mais ríspida do que gostaria, para que ninguém mais ouvisse. Daniela não gostava de chamar atenção para si.

Não sei se foi o som ou talvez o tom da minha voz, mas ela se assustou e levantou a cabeça, procurando por algo em meu rosto, demorando seu olhar no meu.

Eu não estava acostumava a falar muito com eles. Daniela era minha melhor amiga e mesmo assim eu era ainda mais calada com ela. Depois de algum tempo eu acreditei que ela tivesse simplesmente desistido de qualquer interação mais elaborada comigo.

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