33 - Quando tomei a decisão mais difícil

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Charlie

Balam continuou gritando enlouquecidamente para o monte de terra a seus pés, que há muito já havia parado de nos apertar e puxar para seu interior. Estava morto.

Eu não sabia se ficava aterrorizada por sua fúria bestial – o cara estava literalmente em chamas. Não apenas seus braços como eu havia visto antes, mas seu corpo inteiro. Um lapso doloroso da minha memória me fez lembrar que eu tinha pavor de fogo.

Acredito que pela primeira vez fiquei com medo dele. Da mesma maneira como eu tinha de Astaroth.

Mas aparentemente, nem mesmo o fogo vindo de dentro do corpo de um demônio poderia queimar um espírito – apesar de eu ainda sentir seu calor intolerável.

O pior foi quando ele encostou acidentalmente em mim. O calor insuportável aumentava demais a dor prazerosa que eu sentia em contato com ele. Olhando para ele fiquei curiosa em saber o que ele sentia quando seu corpo sólido passava por mim. Mas naquele exato momento ele estava mais preocupado em queimar cada centímetro que conseguia do corpo de Aelís.

Ele era apenas uma massa de fogo, e eu não conseguia distinguir seus braços, pernas, olhos, cabelos – nada. A intensidade das chamas era enlouquecedora, e eu logo tive que parar de procurar e olhar para o outro lado.

A cena era grotesca. Vassago já tinha acabado com seu contingente assustador de fetiches e espectros.

Vass, onde estão todos os fetiches que você matou? ─ Perguntei mentalmente, tentando me desligar do insistente Balam, que ainda continuava a chutar e pisar a lama ensanguentada.

─ Eles viraram terra ─ ele me respondeu enquanto se aproximava lentamente de nós, observando seu mestre indo à loucura. Eu ainda estava sentada no chão, minha perna já livre do fetiche de Aelís, mas estava com medo de me levantar e atrapalhar o frenesi de Balam.

Acompanhei enquanto Vass se aproximava de Balam, chamando seu nome baixinho, com uma voz extremamente contida, não parecendo a mesma pessoa. Parecia até menor, para falar a verdade. Como Balam não pareceu dar a mínima para seu chamado, Vass enfiou a mão na massa de fogo antes que eu pudesse gritar em protesto, segurando o que poderia ser o braço do príncipe, e agora conversando com ele mentalmente.

Balam parou de se debater e as chamas começaram a ceder, ficando mais fracas – mas mesmo assim Vass ainda o segurava. Eu podia ver que era doloroso para o guardião, mas ele não se afastava. Ele era feito de carne e osso – ou seja lá do que demônios eram feitos – e queimava. Ele ainda segurava o braço de seu mestre quando este parecia não ter mais força nenhuma dentro dele.

─ Tudo bem, Balam... já passou ─ ele disse em voz baixa, tentando conter o monstro dentro do outro.

Balam respirava com dificuldade, como se tivesse corrido uma maratona, e sua cabeça estava abaixada, ocultando seus olhos com uma cascata negra e bagunçada de cabelos, não me deixando ver o que havia lá.

Ficamos assim por um tempo – os dois parados como se fossem estátuas em suas posições, e eu observando tudo do chão –, até que um pio baixinho e dolorido nos tirou de nosso torpor.

Faruk se remexeu um pouco, e quando virei meus olhos ansiosos para ver como a alma animal estava, um misto de alívio e pesar tomou meu coração, me fazendo respirar como Balam. Ele ainda estava desacordado, mas estava vivo. Esse era o importante – por mais que eu ainda não tivesse certeza se uma alma animal podia morrer. Apesar de que pelo desespero de Balam, a resposta devia estar clara.

Balam tentou se virar para ir até Faruk e cambaleou como um bêbado, mas Vass ainda o segurava, não permitindo que ele caísse, fazendo com que ele apenas se sentasse ao meu lado.

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