05 - Quando sonhei com uma praia na Noruega

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Charlie

Acordei lentamente, sem muita certeza de que havia conseguido sobreviver ao resto da noite incólume. Demorei alguns segundos checando meu próprio corpo para ver se ainda estava inteira. Procurei pelo quarto e vi que Dani não estava mais lá, mas meus remédios estavam todos em cima da nossa cômoda. Me desenrolei do edredom, peguei todas as caixas sem prestar muita atenção e corri para o banheiro.

As coisas estavam piorando, numa velocidade que eu não conseguia acompanhar. Esse novo estado de sobriedade que eu estava tentando manter para combater as dores já não me parecia a melhor opção no momento. A situação claramente estava muito pior do que a última vez que tentei largar a bebida, pois agora eu estava sentindo coisas na minha cabeça e ouvindo explosões.

Tomei um comprimido de cada caixa de uma vez só e entrei no banho, esperando relaxar enquanto me afogava na banheira lentamente, tendo o cuidado de deixar o topo da minha cabeça e meu braço esquerdo de fora.

Demorei o máximo que consegui, até que comecei a ouvir as vozes novamente, soltando um profundo lamento por ser novamente interrompida. Primeiro os sussurros baixos, que começaram a aumentar até ficar insuportável. Meus olhos se encheram de lágrimas enquanto eu começava a me render novamente, sentindo a derrota fria escorrer dentro em mim. Não seria tão ruim se eu desse alguns goles, apenas para abaixar o volume daquelas vozes malditas.

Coloquei minhas roupas o mais rápido que consegui e corri para o quarto, abrindo a gaveta em que eu escondia meu maior tesouro. Era sempre a ele que eu recorria quando estava em completo desespero como naquele momento. Eu podia ser uma megera fria sem sentimentos, mas esta caixa continha as lembranças da minha avó, como o anel de safira que eu herdei, fotos e alguns dos livros que ela mais gostava, e uma garrafa de Whisky Johnny Walker Blue Label que eu havia ganhado do meu irmão.

Ele não fazia ideia de que eu era uma alcoólatra, apenas acreditava que eu era uma apreciadora moderada. Mas eu o era, pelo menos com aquela garrafa. Era uma das bebidas mais caras do mundo, um dos melhores blends disponíveis. Ela estava pela metade.

Fiquei observando aquele líquido que havia se tornado meu santuário de sanidade, e com as mãos trêmulas, abri a tampa e dei um gole curto diretamente da garrafa. Comecei a engasgar levemente, pois aquele era um líquido exigente e tinha que ser bebido com um copo de água gelada. Mas resolvi que cowboy era o melhor para aquele momento.

Não cheguei a me arrepender de quebrar os efeitos dos remédios que eu tinha acabado de tomar. Eu me arrependeria muito mais de ter que ficar acordando à noite como se estivesse em chamas, ou responder a alguma das vozes como se fosse alguém realmente falando comigo. Não importava que isso ajudasse minha insensibilidade e minha falta de vontade de se preocupar com o resto das pessoas ao meu redor.

Foda-se o mundo, eu precisava de um pouco de paz.

Guardei a garrafa, sentindo minhas entranhas se esquentarem, lentamente me deixando tonta. Eu sempre recorria ao Whisky como última opção, pois era a bebida que eu apenas usava em casos urgentes como agora. Um gole dela já me deixava bem para sair daquele lugar e ir procurar refúgio junto com a cachaça em outro lugar.

Levantei devagar, saboreando aquela sensação deliciosa dentro de mim. Coloquei o meu sapato que estava ao lado da cama e me preparei para sair, ansiosa para continuar minha terapia de foda-se tudo e vamos beber.

Peguei minhas coisas e assim que abri a porta, dei de cara com Anabelle, pronta para tocar minha campainha, me fazendo soltar um palavrão com o susto.

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