41 - Quando vi minha amiga voltar dos mortos

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Charlie

Flashes confusos das lembranças de Balam invadiam a solidão do meu cárcere, enquanto ele mesmo era consumido por um turbilhão de emoções diferentes. Ele não estava preso ao presente, mas repassava cenas de memórias em que tudo parecia diferente para ele.

Eu conseguia ver muitas vezes um homem forte e imperioso, rude e austero, que Balam parecia temer e admirar. Mas todas as vezes que o homem falava com um Balam criança, não aparentando mais do que um menino de sete anos, em sua língua estranha que eu não compreendia, seus olhos vermelhos intensos eram suavizados por um amor profundo e incondicional.

Outras lembranças parecidas invadiam minha mente, me mostrando como Balam era criado por esse homem e por Vassago, que sempre estava por perto. Em nenhum momento dessas lembranças, consegui vislumbrar nem que por relance a mãe de Balam.

Assim que sua mente se acalmou e as lembranças cessaram, e pelo o que eu podia ver nos raros momentos em que minha mente vagava para a sua no presente através do elo que possuíamos, ele estava em um quarto suntuoso, com uma cama em dossel que era sustentada de um modo que eu não conseguia entender. Não havia portas no quarto, apenas janelas que iam do teto ao chão.

Faruk sempre estava perto dele, piando triste, incomodado com a dor de seu companheiro. Não havia nenhum sinal de Vassago.

Balam não parecia se dar conta da minha presença em nenhuma das vezes que minha mente me abandonava sem meu comando. Era como se ele estivesse desligado, consumido por uma dor que transcendia minha compreensão.

Então era daquela maneira que um demônio sentia. Nunca imaginei que houvesse tamanha dor e tanta força para aguentá-la.

Sempre que eu voltava para o meu próprio corpo, ele era acometido por espasmos, até que se acostumasse com a nova condição. Eu não fazia ideia de quanto tempo eu havia permanecido naquele lugar. Eu não tinha mais as necessidades de uma humana. Não precisava comer, ir ao banheiro ou coisas desse tipo. Eu nem precisava dormir. Aparentemente, todas as vezes que minha mente vagava para Balam, meu corpo ganhava o descanso necessário.

Quando as incursões ficaram raras, tive mais tempo para clarear minha mente, e pensar em minha condição. As paredes emboloradas pareciam diferentes sempre que eu voltava, mas com a escuridão eu não poderia ter certeza.

Toda vez que podia, gritava, com minha voz e minha mente para Balam, Vassago e Faruk, não sabendo mais o que poderia fazer.

Pela primeira vez, depois do maior intervalo sem as interrupções de Balam, tentei me levantar e inspecionar melhor as paredes com minhas mãos. Meu corpo doía devida à falta de uso, e após uma câimbra em minha panturrilha direita, fiquei completamente em pé, começando a medir a cela em que estava.

O teto ainda estava longe de meu alcance visual, então me empenhei em desvendar as paredes. Ela não era de cimento, mas sim uma junção de pedras derretidas, completamente irregulares e cobertas de lodo pegajoso.

Percorri as quatro paredes próximas, indo do chão até onde minhas mãos alcançavam até que senti um padrão levemente irregular em uma delas, que eu poderia utilizar, se aplicasse um pouco de força, para fazer calços para que eu escalasse.

Não havia uma porta, então o único jeito de sair seria por cima.

Olhei para minhas mãos cegamente, tentando me lembrar de como elas eram, e passei meu indicador levemente no dedão, para constatar que minha unha era maior do que adequada para a tarefa. Isso indicava que eu sentiria mais dores do que gostaria ao tentar escalar cegamente uma parede de pedras.

Mas talvez a dor fosse boa, e me mantivesse focada na tarefa impossível que eu tinha pela frente.

Respirei fundo e tentei clarear minha mente, retirando qualquer indício da dor de Balam ou qualquer lembrança que ele tivesse. Não queria ser puxada para a sua cabeça e deixar meu corpo sem controle enquanto subia sabe-se lá quantos metros acima do chão. Eu não fazia ideia de onde aquela escalada me levaria, em primeiro lugar.

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