72 - Quando eu e Balam nos tornamos um

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Charlie

Eu estava quase morta, mas conseguia sentir. Era um vazio tão grande, tão devastador que eu não conseguia entender de onde vinha. Eu estava nos braços de Balam, enquanto ele caminhava lentamente pelo meu lar destruído, mas não era nada relacionado a ele. Conseguia ouvir Faruk perto de nós e Vassago nos acompanhando, seus passos pesados deixando claro que ele não estava confortável com aquela situação.

Balam parecia sentir que algo estava errado e parou de andar abruptamente, olhando ao redor. Abri meus olhos cansados e vi em seu rosto uma lágrima descendo, enquanto seus braços tremiam. Ele me apertou mais próximo ao seu corpo, como que para garantir que eu ainda estava em seus braços.

— Vass... você consegue sentir? — sua voz era sofrida, doendo em mim também. Algo terrível havia acontecido. O vazio dentro de mim também era opressor, e aproveitei do calor de Balam para me acalentar.

— Sim... o que aconteceu? É como se em meu interior eu soubesse que algo mudou... que o equilíbrio do universo está pendendo por um fio — o guardião deixou de lado sua animosidade com seu mestre, parecendo genuinamente preocupado.

Vendo a dor no rosto de Balam, eu tive certeza de que ele sabia o que aconteceu. Eu não tinha como me mexer, então apenas chorei em silêncio, pois a dor era absurda. Balam me apertou mais contra ele, olhando pela primeira vez para mim.

— Você também sente, garotinha? Sabe o que aconteceu? — ele não esperou pela minha resposta, encostando sua testa na minha.

Como era possível sentir ao mesmo tempo duas coisas tão conflitantes? Como eu conseguia sentir tamanho desespero por algo que eu não entendia, e ao mesmo tempo, amá-lo tanto. Mesmo depois de tudo o que ele fez? Como era possível alguém amar outro ser daquela forma?

— Sim... eu sinto. Ah Balam, o que foi? Quem desapareceu desta forma, que me faz vontade de seguir também? — eu estava aterrorizada. Meu corpo estava na fronteira da destruição, mas diferente de alguns segundos atrás, eu não queria mais sair dele. Algo urgente dentro de mim queria permanecer conectado àquele farrapo de ser que eu me tornei.

— Temos que nos apressar, Vassago. Não posso deixar a alma de Charlie sair deste corpo... ela não encontrará nada em Seol — Balam se recompôs, ignorando minha pergunta.

Mas eu era até que meio inteligente, e entendi completamente o que ele quis dizer, e o que aconteceu. O que explicava completamente meu desespero.

Baldor não seria encontrado em Seol. Minha alma não poderia voltar... porque ele não estaria lá para me ajudar. Porque ele não existia mais.

Porque eu causei a sua morte. E se não havia Baldor para recepcionar as almas dos mortos, quem estaria lá para receber a dele? Meu corpo era parte do dele, e o vazio que eu sentia era a falta do meu criador. Para onde iriam as almas daqueles que eu mesma enviei para Seol? O que aconteceria com as almas dos meus pais?

A dor era tão grande que eu sufoquei com as minhas lágrimas – haveria algum limite para as minhas merdas? O que eu havia causado? A dor de ser a reencarnação de Lúcifer era mais importante que a vida de Baldor? Que a vida dos humanos que eu condenei ao me rebelar contra o inferno?

— Shh... vai ficar tudo bem. Não vou permitir que nada mais aconteça com você.

Ah... se esse filho da puta soubesse o que eu realmente sentia. Ele não tinha responsabilidades, não havia ninguém ao seu lado a quem proteger. Para Balam era muito mais fácil... ele sempre foi um demônio, um que não tinha lar.

— Vamos voltar para a casa da Charlie. O lugar está protegido.

Sem responder ao seu guardião, Balam seguiu rapidamente pela rua, com mais urgência que antes – afinal, se meu corpo morresse de verdade, minha alma voltaria a vagar, inútil.

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