08 - Quando pensei ter perdido a noção do que era realidade

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Charlie

Assim que abri a porta, tremendo com o nervosismo e medo das vozes que não paravam de gritar para mim, dei de cara com Anabelle parada na frente de sua porta, seu rosto bonito resoluto e por um segundo de pura loucura ela pareceu indomável para mim.

Mas eu estava pouco me importando com qualquer coisa naquele momento que não fosse fazer com que tudo fosse embora. Eu tinha medo do que eu faria se ficasse mais um minuto exposta daquela maneira às vozes.

Sem dizer uma palavra me virei para a escada e estava com o pé no degrau quando senti seu aperto firme e gelado em meu braço.

─ Entre.

Ela disse isso com uma voz tão fria e autoritária que nem mesmo parecia a garota que visitava velhinhos no hospital e parecia uma criança comendo seus doces e chá.

    ─ Me. Deixa. Em. Paz ─ vociferei por entre os dentes, ciente de que se eu me descontrolasse, gritaria mais alto do que aquelas vozes malditas que apenas eu escutava ─ eu não to afim de nenhuma droga que você queira me dar.

    ─ Entra logo ─ ela começou a me arrastar para dentro do seu apartamento com uma força descomunal. A garotinha era forte pra cacete.

    ─ O que você tá fazendo?! ─ gritei enquanto tentava resistir, sendo jogada numa das poltronas brancas.

─ Salvando a sua vida ─ ela disse sem emoção, se sentando no piano branco que havia próximo à janela e sem mais nenhuma palavra começou a tocar uma música que eu não conhecia.

    ─ POR QUE VOCÊS NÃO ME DEIXAM EM PAZ?! ─ gritei com todas as minhas forças, a frustração me derrotando, as lágrimas descendo tão incontroláveis que logo me vi soluçando como uma criança. Encolhi na poltrona o máximo que consegui, como que para me proteger de Anabelle, das vozes. De mim.

Não sei quanto tempo se passou, mas logo percebi que as vozes haviam ido embora, e o único som que havia eram dos meus soluços. Em algum momento que não percebi, Anabelle havia parado de tocar o piano e ido embora.

Eu deveria ter resistido mais e ido embora, mas estava exausta demais para qualquer coisa e acabei adormecendo, indiferente ao medo que inconscientemente eu sempre tinha de cair em um dos pesadelos terríveis.

Acordei com um grito masculino que me fez cair da poltrona, assustada. Pensei que as vozes tinham voltado, mas uma rápida olhada pela sala do apartamento estranho me fez ver Anabelle e seu irmão gritando um com o outro no que eu imaginei que fosse norueguês.

Levantei lentamente, assustada com a violência da discussão, esperando que o cara enfiasse aquela mão levantada na cara de Anabelle a qualquer momento. Eu não tinha forças ou coragem de intervir. Violência doméstica não era algo que eu aceitava numa boa.

Mas na boa? Eu já tinha merda o suficiente com que me preocupar, não precisava daquilo também.

Nenhum dos dois pareceu se dar conta de que eu estava assistindo a tudo bem de perto, mesmo sem entender nada do que falavam, e assim que fiz menção de sair de lá para dar um pouco de privacidade a eles, tropecei no tapete felpudo no chão e cai aos pés deles, que se viraram imediatamente para mim.

Fiquei petrificada naquela posição ridícula, incapaz de qualquer reação.

Os olhos deles estavam diferentes... os de Anabelle eram de um vermelho forte que me lembrou sangue, e os de Alexander estavam pretos... o que era verde antes agora estava negro como breu, e uma sombra parecia cobrir seu rosto como uma máscara.

Sem palavras para descrever o meu completo desespero, alguma coisa me fez conseguir forças para levantar e sair correndo do apartamento, descendo as escadas sem nenhuma cautela, ignorando qualquer pessoa que tentava falar comigo.

AlmaldiçoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora