66 - Quando eu a vi voltando para casa

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Charlie

— CHARLIE!! ABRE A PORTA!! — a voz de Vassago vinha de trás da porta de entrada do apartamento, enquanto ele tentava arrombar a madeira com sua força bruta, mas eu sabia que nada daquilo adiantaria. O lugar era protegido contra seres como ele – mas na verdade, ele deveria ser protegido contra pessoas como eu. Assassinos à sangue frio.

Os corpos jogados pela sala apertada sem móveis não eram importantes para mim – eu sabia que todos eles estavam vivos. Eu nunca tentei mata-los, só queria tirá-los do meu caminho. O que realmente me importava era o corpo do taradão, sem vida, com a minha espada fincada em seu torso.

As lágrimas eram geladas – engraçado, até aquele ponto eu já havia chorado tanto, mas aquela foi a primeira vez que eu realmente notei a temperatura do líquido amarronzado – e desciam de acordo com os sons que saíam do meu peito, pela minha boca.

Eu sabia que eu era muitas coisas – egoísta, tóxica, o próprio capeta encarnado... mas nunca imaginei que eu realmente era realmente ruim. Ruim ao ponto de tirar a vida de um outro ser humano. Eu deveria saber o caminho que eu mesma trilhara para mim... começou com a cobra, Midgard. Depois seu mestre – mesmo que eu tentasse me convencer de que na verdade eu não tinha explodido o coração do demônio, e sim o capeta dentro de mim – e então Aelís. E o outro demônio decapitado.

Era uma trilha de corpos que só aumentava, me fazendo questionar se não foi por aquele motivo que Lúcifer me escolheu para ser sua caixa de transporte. A dor da realização de que eu era simplesmente ruim – e que por causa daquilo Deus realmente me esqueceria – fez com que eu tocasse a única parte que eu imaginava ser pura em mim: o vestígio do corpo de Faruk tatuado no meu.

Ele merecia alguém melhor do que eu. Faruk era puro, bom... eu sentia aquilo. Eu queria ser boa para ser merecedora dele.

Mas naquele momento eu tive a certeza de que eu nunca seria merecedora.

Nunca.

— CHARLIE!!! — Vassago estava ficando enlouquecido, e pensando unicamente na segurança da minha amiga no primeiro andar, resolvi ir ao seu encontro, antes que ele colocasse o prédio todo abaixo.

Minhas pernas não me obedeciam direito, e eu caí duas vezes nos corpos desacordados dos idiotas illuminatis, mas consegui chegar até a porta. que estava destrancada, para meu alívio, e eu fui capaz de me jogar nos braços do meu amigo guardião. Eu precisava do seu conforto, precisava saber que para alguém, eu ainda era boa – ou que eu poderia ser, se eu quisesse.

Era só não matar mais ninguém.

— Charlie... o que aconteceu? Eu escutei um barulho, mas não conseguia entrar... — ele parou de falar quando viu a carnificina atrás de mim, ficando tenso imediatamente. Eu sentia nele o mesmo cheiro pungente do medo que eu sentia em Alexander e nos humanos que salvamos.

Ele estava com medo de mim, e eu não fazia ideia de como meu coração ainda conseguia se quebrar, depois de tudo o que eu vivi até aquele momento.

— Eu... eu... a Illuminati... eles têm um livro... eu não lembro o nome do troço... mas parece importante... eu... — as palavras estavam difíceis na minha língua, na minha cabeça, e a única coisa que consegui fazer foi me afastar dos braços tensos dele. Eu não queria que meu amigo tivesse medo de mim.

Eu já estava com medo suficiente.

— Charlie, o que tá acontecendo? — a voz que chamou minha atenção veio da escada, e era algo completamente abrasador, quando eu tinha acabado de matar um humano como ela – como eu também havia sido um dia.

AlmaldiçoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora