62 - Quando eu entendi o que meu dom significava

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Charlie

Alexander nos transferiu para o telhado do nosso prédio, então eu conseguia ver toda a destruição de cima. Os filmes de Hollywood que falavam sobre apocalipses e destruições não eram fiéis ao que eu estava vendo. A rua não existia mais – era um mar de destroços dos prédios que ficaram meio destruídos. Apenas o prédio em que nós estávamos parecia inteiro.

Algumas pessoas gritavam para a polícia, para os bombeiros, para Deus, enquanto se agarravam aos corpos das pessoas que não resistiram aos ataques de Asmodeus. Eu nunca havia visto nada tão desesperador em toda minha vida.

Eu não conseguia ver nenhum espectro ou demônio por perto – apenas as consequências de sua presença – então consegui respirar fundo para prestar atenção nas vozes dos mortos, desesperadas. Eu não cheguei a pensar no que seria do meu "dom" quando eu voltasse. Na verdade, eu fiquei bem feliz por ter sequer conseguido voltar para a Terra. Aparentemente as restrições das quais Baldor me avisou eram apenas relacionadas à minha alma voltar – reencarnar – em um corpo humano. Meu corpo de fetiche não parecia sofrer qualquer retaliação da sua existência equivocada na Terra.

A diferença era que o meu dom de escutar os mortos havia evoluído, de alguma forma. Eu não estava apenas ouvindo os seus lamentos... como também estava vendo suas almas disformes passeando por todos os lugares – da mesma forma que eu as via em Seol. Eram tantas formas de luz que meu peito se apertou.

Quantas pessoas haviam morrido por causa do que eu fiz? Quanto sofrimento eu trouxe para aquelas pessoas que nada tinham a ver comigo e minha cruzada suicida?

Senti as lágrimas caírem pegajosas pelo meu rosto – e o barulho que saía do meu peito refletia todo o meu desespero.

Alexander pegou em minha mão, tão perturbado quanto eu, me segurando próximo a si mesmo. Alaor estava em silêncio ao seu lado, observando com desalento o que Asmodeus fizera. Os humanos não tinham como se proteger... eles não possuíam poderes – ou sequer interesse no que rolava no inferno. Eles só queriam viver suas vidas despreocupados que algo os morderia na bunda sem aviso.

Estava de noite, e a luz da lua era a única que iluminava tudo – os postes da minha rua não existiam mais, e com eles a energia elétrica se fora. Os focos de incêndio também ajudavam um pouco. Aos meus olhos estava claro até, mas tenho certeza de que para as pessoas gritando lá embaixo, estava tudo uma penumbra.

— Você consegue sentir onde a sua irmã está? Tenho a sensação de que vamos precisar da ajuda dela também — gritei para Alexander por cima das vozes dos mortos. Sua presença não anulava mais as vozes deles, então eu teria que ignorá-las.

— Não... Anabelle não está aqui. Nossas mentes continuam separadas... — Alexander apertou minha mão com violência, como se para garantir que eu fosse ficar ao seu lado.

Precisamos ir... ficar neste lugar vai chamar a atenção deles para nós. Estamos em desvantagem. Logo todos saberão que viemos para a Terra — Alaor chamou nossa atenção e eu me lembro que além de todo o terror que aquelas pessoas estavam vivendo, não precisavam de um leão demoníaco para piorar tudo.

— Alaor... tem como você ficar invisível? Eu não acho que... — comecei a falar, mas era muito difícil me concentrar com todas as vozes desesperadas ecoando na minha cabeça.

Ele virou sua cabeçona para mim e eu dei um sorriso amarelo, me desculpando.

— Por que só esse prédio tá de pé? O que vocês fizeram com ele? — dei um puxão na mão que Alexander segurava, tentando trazê-lo de volta até nós. Ele parecia ainda mais aterrorizado do que eu. E olha que foi o povo dele que começou aquilo tudo.

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