04 - Quando as coisas mudaram

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Charlie

Tudo girou de um modo incômodo enquanto eu tentava me levantar. Algo nojento escorria pela minha cabeça, empapando meu cabelo, e era incrível como nada ficava focado em minha visão por mais de meio segundo.

Mas que merda.

Consegui de algum jeito ficar ajoelhada no chão frio, e apoiando todo meu peso no corrimão de pedra, levantei.

Escutei o Naldo falando comigo como se ele estivesse muitos quilômetros distante. Eu não conseguia entender uma palavra do que ele dizia, nem mesmo o que eu resmungava em resposta.

Toda uma vertigem se apoderou de mim e pensei que fosse chegar a desmaiar. Assim que ficou óbvio o que ia acontecer, ele correu para ajudar a me sustentar. Eu sentia o sangue escorrendo pelo meu rosto enquanto eu me agarrava a ele como se isso custasse minha vida.

Assim que me senti segura em seus braços, desmaiei.

Então, como que se tivesse apenas piscado meus olhos, um clarão incômodo inundou minha visão, mas me ajudou a ter mais consciência do que acontecia.

Então tudo fez sentido em meio segundo.

Acordei num súbito terror.

Queda. Eu havia caído da escada na entrada do prédio. Que devia ter uns bons dez degraus até chegar ao apertado espaço onde ficava a guarita do porteiro.

Olhei ao redor tentando encaixar a cena à realidade, mas não havia muito que eu poderia encaixar. Estava em uma maca de enfermaria, e um rápido relance pelo lençol que me cobria me fez entender que eu estava no Hospital Santa Rita. As cortinas ao meu lado estavam puxadas e eu só conseguia escutar um burburinho do outro lado. Enfermeiras andando para cima e para baixo, um médico sonolento atendendo uma pessoa queixosa de diversas dores e uma criança chorando.

Entrei em desespero ao me imaginar no pior local do universo para alguém como eu estar.

De repente me dei conta que eu estava com sede. Olhei ao redor e vi um copo laranja de plástico numa mesinha ao meu lado e estiquei meu braço esquerdo para pegá-lo, mas soltei um palavrão assim que o fiz. Senti uma pontada de dor aguda no braço que me fez arfar, descobrindo assim mais uma dor na costela abaixo desse braço e também na cabeça. Encostei a cabeça novamente no travesseiro duro e tentei relaxar.

Aquilo era pior do que qualquer ressaca que eu já tive. Não que eu desse muito descanso entre as bebedeiras para desfrutar de uma ressaca de verdade.

Demorei dois segundos tentando acalmar a dor – como se isso fosse possível – e levantei a mão instintivamente, encontrando faixas do curativo que enrolava a maior parte da minha cabeça. Devia estar parecendo uma maldita múmia. 

Fechei os olhos, tentando ignorar uma nova pontada de dor na cabeça, que parecia disposta a estourar meu couro cabeludo. Sei que faria se fosse possível.

— Charlie.

Abri lentamente meus olhos e vi que Daniela havia puxado um pouco a cortina, mas permanecia do lado de fora, como se não soubesse se podia entrar no meu espaço reservado. Eu podia ver Rose logo atrás dela, espreitando com seus cachos dourados.

Dani carregava uma preocupação mórbida nos olhos.

— Calma Daniela, ainda estou viva — minha voz saiu com muito mais dificuldade do que eu pensei que sairia.

AlmaldiçoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora