36 - Quando descobri que Balam amava outra

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Charlie

─ Eu morri há muito tempo. Muito antes de você ou de seus pais e avós nascerem. Quando cheguei ao Tribunal, eu era diferente dos outros, assim como você. Ainda possuía minha forma humana e todos os fetiches tentavam se alimentar de mim. Só que eu não era a única ─ ela começou a me contar, aparentemente desistindo de obter de mim qualquer com relação à sua afirmação anterior. Eu não cederia.

─ Tallis estava comigo. Eu a encontrei no meio do Tribunal, tentando se livrar de um dos guardas. Assim como eu, ela também tinha forma. Eu não consegui apenas olhar enquanto o guarda tentava sugá-la. Eu corri até eles e fiz o que pude para soltá-la. Nós então corremos e corremos, fugindo. Até que chegamos a uma porta enorme, e Baldor estava nos esperando. Ele ordenou que todos parassem e nos deixassem em paz, e fez com que entrássemos ─ ela continuava, sem prestar atenção alguma em mim. Como se contasse a história para suas árvores. Eu não tinha vontade ou coragem de interrompê-la, a curiosidade ardendo em mim junto com as novas sensações do ambiente.

─ Uma vez dentro de sua sala... entenda, Charlie, era completamente diferente do que você vê hoje. Naquela época, era tudo como os terrenos desertos de Seol, marrom e cheio de terra. Mas bem, uma vez lá dentro, ele nos ajudou, vendo que éramos especiais. Éramos tocadas por anjos, por isso conservamos nossas formas. Mas não poderíamos ir para o céu. Ele nunca nos explicou por que, mas nos disse que nosso destino ainda não havia acabado. Ele poderia nos ajudar. E vi em seus olhos que ele estava muito sozinho, um ser tão poderoso, mas tão vulnerável. Então ele disse que faria um experimento conosco. Ele faria um par de corpos de fetiches para nós, só que diferentes de qualquer outro. Ele nos faria do seu próprio corpo. Eu pedi para manter minha própria aparência. E Tallis, por compaixão a mim, pediu para se parecer comigo também. Éramos idênticas, só que eu tinha um cabelo azul, e Tallis tinha o cabelo verde ─ nesse ponto, ela olhou para mim passando ligeiramente os olhos por meu cabelo vermelho, e voltou a olhar em meus olhos – idênticos aos dela ─ para finalizar, ele nos nomeou, Tallis e Toller.

─ Quando acordamos dentro de uma cabana que Baldor fez para nós, ficamos dias nos contemplando, brincando feito duas crianças bobas. E descobrimos que ele tinha nos dado poderes. Ela poderia fazer uma planta crescer só com seu pensamento, e eu poderia alimentá-la com água que fluía do meu corpo. Resolvemos então fazer uma surpresa para Baldor. Sabíamos que ele estava fora, então nós iríamos redecorar. Dar um presente. Tallis se sentou e com toda sua força, pensou em verdes campos do lugar que ela viveu antes, e três árvores cresceram, no final. Eu me sentei ao seu lado e com todas as minhas forças, juntei meus pensamentos aos dela, e alimentei seus campos e suas árvores, e no fim, criei um lago, que se misturou perfeitamente ao mundo morto de Seol ─ uma lágrima marrom caiu de seus olhos e ela hesitou em continuar. Eu estava presa em sua história, pois eu sabia que não tinha um final feliz.

Histórias de amor nunca tinham um final feliz. Nem mesmo importava o tipo de amor.

─ Era uma obra prima. Esperamos por Baldor perto da árvore que ela criou para ele. Eu sempre soube que o dom dela era muito maior do que o meu, mas não me importava. Ela precisava de mim para que suas obras sobrevivessem. Quando Baldor chegou, ele ficou extremamente feliz. Ele estava maravilhado porque alguém tinha feito algo para ele sem pedir nada em troca. Ele enfim não estava sozinho. Ele andou lentamente, sentindo a grama, o cheiro que vinha das flores e o barulho do lago. Ao se sentar perto de nós, percebemos pela primeira vez que ele estava acompanhado. Duas figuras usando pesados mantos cobrindo seus corpos e seus rostos estavam nos observando, próximas à porta. Lembro que o medo me tomou ao olhar para algo tão sombrio, mas nada assustava Tallis. Ela sorriu para os visitantes e os chamou para se sentarem conosco. Depois de hesitarem, o maior se aproximou e se ajoelhou perto de Baldor. Assim que o outro chegou perto de nós, eu senti pela primeira vez o que era o calor de um demônio. Mas eu não entendia o que eles eram direito ─ ela parou sua história e olhou para mim significativamente, como se perguntasse se eu estava entendendo.

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