83 - Quando Toller conheceu os companheiros de Raphael

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Toller

Sua mão gelada parecia quente na do arcanjo que a segurava com tanta ternura. Toller não se recordava de como era o toque de um anjo – há muito havia perdido certos detalhes de suas experiências com Ariel, o maldito que a condenara àquela existência – mas gostava da maneira como Raphael cuidava dela.

Sabia que o apreço do ser celestial nada mais se devia além de um sentimento de proteção – ela era o fio frágil que segurava Seol inteira. Ela nunca percebera o momento em que Baldor a havia transformado no pilar de Seol, mas se sentiu grata e assustada ao mesmo tempo. Não sabia se era forte o bastante para sustentar seu lar. Se Tallis estivesse viva, ela tinha certeza que a irmã seria o suficiente. Tallis sempre conseguia o que queria.

Ainda doía em seu coração a perda de seu mestre, de seu pai. O vazio que havia dentro dela ainda insistia em deixa-la alerta de que estava sozinha, apesar do ser que a segurava com firmeza. Perdera sua vida, a de seu filho dentro do ventre – o que teria sido a pequena criança, mestiça, humana ou celeste? – perdera Balam para sua irmã, e então perdera sua irmã. Eram muitas perdas importantes para assimilar, mesmo que fossem tão esparsas no tempo. O que era o tempo para um ser eterno como ela? Mas aquela era a lição que Toller deveria aprender – sua eternidade era frágil.

Ela decidiu tirar seus pensamentos de dentro de si e observar o ambiente estranho em que estava. Raphael os levara para o Conselho de Guerra do Éden – onde ela nunca se sentiu tão assustada – e depois para outro lugar, um castelo à beira-mar. Havia alguns poucos arcanjos circulando pelo pátio de ardósia branca, absortos em seus papéis, os pés descalços. Havia paz naquele lugar e Toller se virou para o oceano frente ao pátio, esquecido pelos moradores que não desviavam o olhar nem por um segundo para aquela beleza extraordinária.

Toller já havia visto um oceano antes – um pouco antes de conhecer o arcanjo que a corrompera. Seus pais tinham uma casa próxima a uma praia vazia, fria. Aquela que via no momento era diferente, quente, acolhedora. Apesar de saber estar no Éden, a imagem das águas calmas e azuis poderia enganar qualquer um de que na verdade estavam em algum lugar perdido da Terra.

Ela levantou sua mão por instinto e sentiu a perturbação das águas salgadas respondendo à sua mestra. Um leve sorriso apareceu em seu rosto e sentiu um leve apertão em sua mão. Raphael estivera em silêncio desde o momento em que saíram do castelo anterior, e Toller estava se perguntando por que não haviam ido ao castelo de Metatron – como ele havia dito que faria. Toller já havia ouvido histórias de que Metatron vivia só em seu castelo, sua ordem dizimada na guerra com os demônios. Baldor nunca escondeu detalhes da história de seus vizinhos no universo, portanto sabia que aquele era o lar de Raphael.

— Criança, peço que não demonstre seus poderes antes que eu possa apresenta-la aos meus súditos. Eles não são guerreiros, mas temerão algo que não compreendem. Principalmente quando você se parece tanto com uma de nossas irmãs, perdida para nós — Raphael parecia triste por repreendê-la, e Toller sorriu em gratidão.

Sempre seria grata ao arcanjo que a salvou.

— Convoquei meus poucos irmãos para conversamos, depois poderá conhecer o mar, como sei que desejas.

— Pensei que iríamos ver Metatron — ela não gostaria de apressar aquele encontro, mas sabia ser inevitável. Se fosse preciso conhecer todos os príncipes do Éden e os reis de Babel para evitar uma guerra, ela iria resignada.

— Camael tem razão quando diz que é perigoso para você aqui. Por tantos motivos, criança... mas minha fé cega na razoabilidade dos meus irmãos muitas vezes é deslocada. Ver meu gêmeo também me desestabilizou, precisava da paz que minha casa me dá. Espero que não se importe. Como eu disse, você está segura comigo — Raphael fez um sinal para um dos poucos que passavam — querido Mihael, diga aos demais que nos reuniremos.

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