06 - Quando Daniela acreditou na melhor amiga

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Daniela

Daniela voltou para casa mais cedo naquele dia, extremamente cansada de ter que aturar mais um minuto daquele lugar. Ela invejava Charlie nesse aspecto: enquanto a gringa tinha tudo pago pelos pais, Daniela precisava trabalhar para poder pagar pelo apartamento minúsculo em que elas moravam e a faculdade. Então enquanto Charlie enchia a cara no bar da esquina da casa delas, Daniela se matava de tanto trabalhar numa loja de roupas do shopping Santa Cruz.

Mas não era do feitio de Daniela reclamar da vida. As coisas até que eram muito boas para ela, principalmente agora que Charlie estava tentando ser menos cretina que o habitual. Ela se irritava um pouco por toda sua vida rodar em volta do que acontecia com Charlie, do que ela fazia e agora, com esse problema que ela dizia ter.

Ela foi obrigada a observar sua amiga definhar e se afundar na bebida sem poder fazer nada. Não importava o quanto ela tentasse, Charlie a afastava sempre, então Daniela simplesmente deixou de lado. Não que ela realmente não se importasse com a amiga, mas a conhecia bem o suficiente para saber que quando fosse a hora certa, Charlie a procuraria.

E então, sem nenhum aviso Daniela viu uma brecha na armadura de Charlie e acreditou que fosse sua chance de cercar Charlie e poder ajuda-la. E assim ela se abriu com Daniela finalmente. No começo ela desacreditou que houvesse realmente um problema, só estava feliz de ver a amiga tentando buscar ajuda.

Afinal, ouvir os mortos? Isso era um pouco extraordinário demais para Daniela acreditar e sua recusa de ir num centro espírita a deixou desconfiada. Mas depois com mais calma Daniela entendeu que talvez fosse porque Charlie era americana, um pouco alheia a cultura espírita brasileira.

Novamente Charlie voltou a ser o centro de suas preocupações, mas agora Daniela tentava encontrar alguma maneira de efetivamente ajuda-la. Pensou em compartilhar suas descobertas com Bruno, seu namorado, mas assim que essa ideia se formou logo foi deixada de lado – Charlie e Bruno se odiavam.

Daniela começou a considerar contar com a ajuda de Mariana, a dona do café, mas hesitou quando pensou na reação de Charlie àquela traição. Não que ela tivesse pedido segredo, mas Daniela sabia que se demorou tanto tempo para contar para sua melhor amiga, era porque não queria falar para ninguém.

Entretanto, agora ela acreditava mais em Charlie. Não que ela entendesse o que aquele problema significava... mas na noite em que Charlie ficou no hospital, Daniela aproveitou para vasculhar todos os pertences da amiga.

Encontrou fotos antigas de sua família, uma caixa em que guardava as cartas que seus avós americanos mandavam para ela – todas elas fechadas ainda. Daniela sabia que Charlie não gostava da sua família nos Estados Unidos, mas nunca imaginou que seu ressentimento fosse tão forte.

Será que ela não fica curiosa para saber o que tanto eles querem com ela? – Daniela pensou enquanto guardava de volta as cartas presas com um barbante.

Entre outras tralhas velhas que Charlie parecia não se importar em jogar fora, ela encontrou relatórios médicos de diagnósticos e exames psiquiátricos. O coração de Daniela disparou quando leu rapidamente que a maioria dos exames indicava que a paciente possivelmente sofria de um transtorno psíquico severo caracterizado por alucinações auditivas, delírios e sintomas depressivos.

Daniela procurou entre os papéis com peso no coração os últimos relatórios da avaliação psiquiátrica, mas a única coisa que encontrou foi que a médica no fim concluiu que na verdade a paciente provavelmente sofria de transtorno de personalidade limítrofe, o que a caracterizava como uma pessoa extremamente egoísta e egocêntrica, o que fez com que a médica liberasse a paciente para acompanhamento com outro profissional.

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