73 - Quando eu fui surpreendida novamente

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Charlie

Era estranho pensar que um dia da minha pobre existência eu estaria descendo as escadas do meu prédio de mãos dadas com Balam – a cena mais parecia saída de um sonho. Ele não parecia conhecer ou entender o que o gesto significava, mas estava gostando de entrelaçar seus dedos nos meus. Já éramos um do outro, um gesto ínfimo como aquele não significava nada demais para mim.

Apesar de apreciar, eu conseguia ver em seu rosto a apreensão enquanto ele passeava por minha mente, aberta por mim mesma para que ele descobrisse tudo o que eu passei depois que nos separamos na fortaleza de Paimon.

Não deixei guardado nenhum detalhe, querendo que ele soubesse todo o sofrimento pelo qual passei sozinha, ou acompanhada de outros que não eram ele, descobrindo o que nós éramos e enfrentando todos os obstáculos que surgiram no meu caminho. Minhas escolhas de acabar com seu lar não pareceram ofendê-lo mais do que ter me aliado a Astaroth e a Alexander.

— Tudo isto aconteceu enquanto eu estava na fortaleza? — sua voz estava um pouco sufocada, irritada como só ele conseguia ficar.

— Sim... muita coisa aconteceu, Balam. Mas não fica com essa cara de quem comeu e não gostou, primeiro porque ainda estamos no meio do bagulho e segundo porque eu sei que você gostou — antes que ele pudesse responder, o puxei por sua mão e dei uma mordida em sua orelha, rindo da sua cara envergonhada.

Quem diria que meu marido – ok, ainda tinha que me acostumar com aquilo – era um puritano. Era esperado que demônios não ficassem envergonhados ao falarem sobre sexo.

Mas eu ainda tinha algumas coisas a aprender sobre Balam – e uma das que eu realmente sabia, era que ele não tinha nada em comum com os outros demônios que eu conheci até aquele momento. Alexander não pareceu envergonhado... e se eu tivesse feito o que Astaroth tanto queria fazer comigo, duvido que parasse de falar um segundo a respeito.

Afastei a lembrança dos dois da mente, não querendo que Balam as encontrasse. Não que eu tivesse algo para me arrepender, eu só estava com muita preguiça para descobrir se ele era ciumento ou não.

Parei de rir quando chegamos na porta do apartamento de William, onde eu escutava as vozes raivosas de Samuel e Vassago. Olhei para Balam e respirei fundo, e estava prestes a entrar quando algo me deteve.

Eu era mais um demônio agora do que uma fetiche – e se minha aparência não assustou Dani antes, agora com certeza a faria me exorcizar. Devia haver uma maneira de ligar e desligar os olhos de capeta doidão. Astaroth desligava aquilo o tempo todo quando andava na Terra, e Alexander não andava com os olhos negros a não ser que fosse necessário.

Tudo bem que seus olhos eram diferentes... mas mesmo assim.

— Não tem como desligar, garotinha. Não você... meu sangue corre nas suas veias agora, mas seus olhos não estão ligados aos poderes que você recebeu. Eles são apenas provas de que você possui sangue demoníaco.

Mostrei a língua para ele e soltei sua mão, ansiosa. Eu estava parecendo uma debutante prestes a ser apresentada para a sociedade. Enrolei o meu cabelo e fiz uma trança com os dedos trêmulos, jogando um pouco das mechas mais curtas para o rosto, fazendo com que meus olhos mais parecessem um reflexo do vermelho do cabelo do que realmente eram.

— Por que mudou a cor do seu cabelo? Não tive tempo de perguntar da primeira vez que vi...

Parei de mexer no cabelo abruptamente e olhei para ele. Pensei que o motivo fosse bem óbvio, na verdade, mas seus olhos pareciam tão confusos. Todas minhas escolhas depois que morri foram ligadas direta ou indiretamente a ele. Sua mão hesitou um pouco, mas logo ele passou os dedos pelas mechas avermelhadas – como ele fez uma vez, há muito tempo atrás, na primeira vez que o viu daquela forma.

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