58 - Quando Daniela também enlouqueceu

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Daniela

O dia parecia estar mais frio do que o normal para Daniela, que apertou o casaco em volta do corpo, tentando ignorar as pontadas que sentia no peito. Fazia muito tempo que ela sentia isso – na verdade, desde que sua melhor amiga simplesmente sumiu do mapa.

         As pessoas passavam por ela apressadas, algumas vezes esbarrando em seu ombro, fazendo-a xingá-las mentalmente. O dia havia sido como qualquer outro – fora trabalhar, almoçou o que coube em seu estômago apertado e estava voltando para casa, para um apartamento vazio e sem calor algum.

         Os eventos daquele dia fatídico ainda pareciam confusos para Daniela, que se lembrava de Rose fora de si, e todo o resto era, a princípio, apenas um borrão em suas lembranças. Ela acordou em sua própria cama, com uma tremenda dor de cabeça, com Rose se remexendo na cama da gringa.

         Tudo o que pôde fazer naquele momento fora chamar uma ambulância para Rose, e acompanhar a amiga até o hospital – de alguma forma, seu surto causou ferimentos sérios em seu corpo forte. Os médicos perguntavam o que havia acontecido, e Daniela se sentiu estúpida e infantil ao dizer que não se lembrava.

         Não se lembrava do que havia realmente acontecido com Rose – que estava amarrada na cama, chorando desolada – o que havia realmente acontecido com ela – se lembrava de estar na cozinha, fazendo algo para Charlie comer, porque a bendita gringa parecia prestes a sumir... só sabia ter acordado em sua própria cama, na parede oposta à que Rose ocupava.

         E sem sinal algum de Charlie.

         Mas Daniela não pôde se preocupar com ela – acreditava que os vizinhos desajustados estavam cuidando dela – enquanto tinha outra preocupação maior. Rose não tinha família em São Paulo, então tudo o que ela tinha era uma Daniela confusa, que não parecia ser capaz de falar coisa com coisa. Ela resolveu ligar para Samuel e pedir sua ajuda – ele era médico, saberia o que fazer, e na falta de Charlie, ela precisava de outra pessoa que a apoiasse.

         No final, Rose foi encaminhada à ala psiquiátrica, por não conseguir dizer coisa com coisa. Samuel conseguiu que ela, mesmo sem ser da família, fizesse uma rápida visita à amiga. Daniela ainda tinha arrepios ao se lembrar o que aconteceu quando colocou os olhos em Rose.

         Suas palavras ainda perfuravam a cabeça de Daniela como se fosse uma sentença dada por um juiz.

         — A Charlie é o inferno reencarnado. Fique longe dela. Ela é o inferno reencarnado...

         Ela tinha os olhos vidrados, e Daniela imaginou que ela talvez não estivesse falando para ninguém em específico.

         Desde então Daniela não teve mais coragem de visitar a amiga. Não se sentiu tão mal quando a família dela ligou alguns dias depois, dizendo que iriam transferi-la a uma casa de repouso na zona norte de São Paulo. Ela também não teve muitas palavras para explicar o que poderia ter acontecido com Rose para que ela ficasse daquela maneira.

         E ela estava preocupada com outra coisa. Charlie ainda não havia aparecido.

         Ela esperou pacientemente – sabia como a amiga estava encantada pelo vizinho, então talvez estivesse com eles. Mas ela também nunca mais viu nenhum deles.

         Seu coração gritava que havia algo errado, e tomando coragem foi até o apartamento 72, bater naquela porta branca tão errada. Isso foi três dias depois de Rose ter sido transferida. Como ninguém a respondeu, ela abriu a porta – que não estava trancada – e chamou por Anabelle, Alexander e Charlie. Sem resposta.

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