10 - Quando outro demônio me encontrou

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Charlie

Continuei fitando o arco de fogo até ele começar a se extinguir e finalmente morrer, me deixando na mais absoluta escuridão.

Eu estava sozinha, dentro do Estádio do Morumbi, sem meios de sair, e agora completamente no escuro. Continuei sentada na grama molhada, olhando para o vazio com o coração completamente devastado. Eu não fazia a menor ideia de como eu iria sair de lá sem causar nenhum tipo de problema para minha ficha criminal – que até aquele momento, ainda era limpa.

Uma pontinha de esperança ainda me dizia que o imbecil norueguês iria voltar para me buscar. Não que ele desse a mínima para minha pessoa, o que ficou bem claro pelo beijo inexpressivo e a maneira como parecia gostar de me ferir.

Soltei um berro e comecei a chorar de nervoso, irritada com minha própria impotência de fazer algo por mim mesma.

Eu queria matar Alexander. Aquele presunçoso desgraçado que achava que tinha o direito de me julgar. Eu pouco me importava com os problemas deles, pois na minha concepção meio distorcida da realidade, eles pareciam muito aptos para lidar com suas próprias merdas.

Não precisava da ajuda dele para saber que eu era o pior ser humano do universo.

A raiva dentro de mim só crescia enquanto eu lembrava como tive que assistir enquanto ele matava seu próprio pai. Mesmo sem entender por que ele precisava fazer isso, eu tinha que admitir que não deve ter sido fácil, e num flash me lembrei da tristeza de Anabelle, e comecei a imaginar se ela não teve que fazer o mesmo com sua mãe.

Arranquei aquelas imagens da cabeça e me joguei de costas no chão. Estava exausta até o osso, faminta, desesperada, e após alguns segundos percebi que o silêncio continuava. Mesmo sem o maldito demônio lá para espantar os mortos que me infernizavam a vida.

Fechei meus olhos e respirei fundo, tentando controlar a histeria que estava próxima. Eu não me sentia mais tão louca como mais cedo naquele dia, enquanto fugia de um pesadelo real para outro.

Agora eu me sentia dolorosamente sã.

Soltei um grito exasperado, tentando tirar todo o peso que afundava meu coração até o pé. O que aquele maldito havia feito comigo? Ele tinha conseguido o que queria, pelo visto. Eu não estava conseguindo mais me perdoar por ser uma pessoa horrível.

Antes que eu pudesse continuar meu raciocínio, escutei um barulho engraçado vindo outro lado do campo, como o de uma rolha sendo puxada com violência de uma garrafa de vinho. Mas teria que ser uma senhora garrafa para fazer aquele barulho todo.

Sentei rapidamente, virando minha cabeça assustada para o lugar de onde vinha o barulho, mas com a escuridão eu não conseguia ver nada. Levantei e dei alguns passos vacilantes para trás, sem tirar os olhos da escuridão a minha frente.

Havia um pressentimento muito ruim dentro de mim.

Meu coração começou a martelar desesperado com a expectativa. Eu não enxergava nem escutava mais nada. Alguma coisa estava terrivelmente errada, e eu só desejei estar bem longe. Nos braços da minha mãe, talvez.

Antes de qualquer coisa, o cheiro foi o que me atingiu primeiro. Ainda bem que eu não tinha comido nada, pois a nojeira daquele negócio me faria vomitar na hora. Mas não pude deixar de sentir a bile queimando minha garganta enquanto o cheiro de ovo podre invadia minhas narinas.

AlmaldiçoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora