35. New Year's Day

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"All is quiet on New Year's Day

A world in white gets underway

I want to be with you

Be with you night and day."  

- New Year's Day por U2

*Vou-te buscar às 21h*

Bloqueei o telemóvel, pousando-o junto de um copo de água quase cheio, enquanto jantava e via televisão na sala, com as pernas apoiadas na mesa de centro e um prato de arroz com atum e ervilhas no colo - aqueles pratos requintados de cinco estrelas que consigo cozinhar com aquilo que compro à última da hora. Ainda estava a dar o telejornal e eu, não sei porquê, estava a vê-lo na SIC, ao invés de aproveitar a TV por cabo que tinha e ver algo na minha língua. Estavam a falar sobre a passagem de ano no Porto e de como iria ser e eu não acredito que me vou trancar numa casa a noite inteira quando podia estar nos Aliados a festejar.

Sempre passei as minhas passagens de ano junto do rio Tamisa, em frente do London Eye, com os meus pais e as minhas irmãs, às vezes tios e primos que os meus pais se lembravam de convidar. Quanto tinha 17 anos, inovei um pouco e assisti ao fogo de artifício na Times Square, uma das melhores experiências da minha vida. Quando tinha 14, estava em Sydney com a minha família, perto da Casa da Ópera. Resumindo e concluindo, estive sempre cá fora, rodeado de multidões, e este ano vou para a casa de alguém que não conheço fazer sei lá eu o quê.

Já pensei em cancelar, mas seria péssimo deixar a Francisca pendurada à última da hora e, para além disso, passar o ano novo sozinho iria ser a pior coisa de sempre nesta vida. Se bem que não sei o que é pior: ficar sozinho, ou ir com ela, ela ver os amigos, falar com os amigos e deixar-me sozinho. Seja qual for o desenlace desta história, o final envolve-me a mim e só a mim. Não sei da Violeta, o Luís ainda está em Felgueiras e a minha família está numa porção de terra à parte.

Depois de comer tudo, deixei o prato em cima de uma pilha de outros pratos usados, reparando que só tinha mais dois pratos limpos. Habituei-me a ir a casa do Luís almoçar e jantar e, agora que tenho de o fazer na minha casa, não tenho vontade de lavar aquilo que sujo. Deixei estar mais de dez pratos em dentro da banca, no meio de não sei quantos garfos, facas e colheres, e fui trocar de roupa. Não acho que vá precisar de andar todo encasacado numa casa onde estarão dezenas de pessoas. Vesti uma T-Shirt, uma camisa de flanela quadriculada por cima e um casaco dos In Flames.

Fiquei a ver televisão até a Francisca me mandar mensagem a avisar que já tinha chegado. Fui respondendo às pessoas que me mandavam mensagens a desejar um bom ano novo e vendo as fotografias que as pessoas que eu seguia iam postando no instagram. O Luís pôs uma foto com a Joana a dizer que era a pessoa mais sortuda do mundo por poder começar um novo ano ao lado dela, com dezenas de comentários. Pus um gosto e passei à foto seguinte, momento em que a Francisca me mandou uma mensagem a dizer que tinha chegado. Desliguei a televisão que havia ignorado desde a primeira mensagem e saí de casa, após me certificar de que tinha a carteira, a chave de casa e o telemóvel comigo.

"Olá!" Cumprimentou a Francisca. "Só saí do trabalho às sete, não tive tempo nenhum para me preparar em condições."

"Olá." Disse, ao sentar-me no lugar de pendura, fechando a porta.

Ela ligou o carro. Estava com um casaco de fazenda enorme vermelho, que lhe chegava aos joelhos e escondia a roupa que tinha por baixo, umas meias de renda por baixo e uns botins de salto alto pretos de veludo. O cabelo dela estava ondulado e caía-lhe numa cascata dourada até meio das costas, emoldurando-lhe a cara, os olhos com uma sombra escura e os lábios pintados de vermelho sangue. Não havia uma mínima diferença entre a Francisca normal e a Francisca com maquilhagem: ela continuava absolutamente linda para mim, com e sem. Esta rapariga não é real.

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