90. Circle The Drain

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"I'm not sticking around to watch you go down

Wanna be your lover, not your fucking mother

Can't be your savior, I don't have the power

I'm not gonna stay and watch you circle the drain."

- Circle The Drain por  Katy Perry


Violeta


"Está tudo?" Perguntou o Luís.

Fechei a última gaveta do roupeiro e suspirei. Não tinha vontade de usar a voz para lhe responder, por isso acenei com a cabeça e ele percebeu a mensagem. Fiquei o dia todo a subir e a descer escadas ao frio para que fosse possível trazer tudo de volta ao apartamento do Luís antes que o Andy chegasse do trabalho e creio que consegui. Está tudo de volta ao local de onde saíra. E doía tanto.

"A Joana vem aqui dormir." Avisou-me e eu voltei a acenar. "Mas se precisares de alguma coisa, pede na mesma." Acenei mais uma vez. "Eu sei que é difícil, mas tenta esquecer o que aconteceu."

"Não é ao falares nisso constantemente que eu esqueço."

"Eu sei." Balbuciou. "Mas... mas pronto. Não sei. As pessoas enganam e tu não tens culpa de nada, ele é que... pronto."

"Está bem, Luís." Resmunguei, sem sequer olhar para ele. Tenho as lágrimas prestes a cair e jurei a mim mesma que nem ele, nem ninguém, voltariam a ver-me chorar.

E no entanto, fui permitir que ele visse. Inúmeras vezes, já nem me lembro do número exato. E eu julguei sempre que podia confiar nele e mostrei a minha parte fraca, ao ponto de ele conseguir ter um vislumbre de todas essas fraquezas; pensei que me quisesse ajudar e que gostasse mesmo de mim, depois de tudo o que fez. Mas era tudo uma piada.

O Luís foi embora, para fazer o jantar, ou outra coisa qualquer, não me interessa. Deixei-me ficar de joelhos em frente da última gaveta do roupeiro, onde tinha acabado de guardar as minhas meias de inverno, e desatei num pranto. É isso que tenho feito sempre que fico sozinha: desatar a chorar, ao ponto de os olhos me arderem de tanto os esfregar, de o nariz entupir, de a cabeça doer. Arrastei-me pelo chão até à cama, puxei os lençóis para trás e a coberta e enrolei-me em todos aqueles cobertores frios que tornaram a ser familiares.

Fiquei assim durante horas, num estado lastimável, com quatro pacotes de lenços vazios e os respetivos lenços transformados em bolas mal amachucadas a decorar o chão do quarto. Já fiz quilómetros pelos sugeridos no instagram, vi vídeos de croché, de maquilhagem, de animais, de comida, de surf, de séries, de bandas, de tudo e mais alguma coisa. Vi as histórias da Olívia e da Abigail, que estavam juntas em Londres, no estúdio de Harry Potter, a beber Cerveja de Manteiga e a fazer compras na loja; o Gabriel estava a estudar Chinês e tinha publicado uma folha recheada de múltiplos caracteres chineses; a Francisca tinha partilhado uma tabuleta com o nome de uma terra dinamarquesa super estranho; as irmãs do Andy estavam a jogar Snooker uma com a outra; eu estava em casa, a chorar numa cama de solteiro e a ver a vida emocionante das outras pessoas. Tudo bem que nem sempre aquilo que vemos é aquilo que é a realidade, mas aposto que a realidade é melhor que a minha, de qualquer das maneiras.

A minha professora de Alemão mandou um e-mail a dizer que tinha ultrapassado o limite das faltas e que, por isso, teria de fazer a disciplina por exame final. Tudo bem, não é como se precisasse de ir às aulas de alemão do nível A1 como se não tivesse o nível B2. Estou farta das aulas, dos trabalhos, das frequências, de sair de casa cedo e chegar tarde, de ter de aturar o entulho nos transportes públicos, de almoçar sozinha na cantina da FLUP, uma vez que toda a gente tem dinheiro que chegue e sobre para ir almoçar fora, estou farta de passar tardes a estudar para as disciplinas de merdas em que sou obrigada a inscrever-me e de ter de preparar apresentações com pessoas que nem conheço. Quero que tudo pare por um momento, porque não tenho cabeça para mais nada, só quero relaxar.

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