Don't Jump

57. Family Is Family

"Family is family, in church or in prison

You get what you get, and you don't get to pick 'em

They might smoke like chimneys, but give you their kidneys

Yeah, friends come in handy, but family is family."

- Family is Family por Kacey Musgraves 

Ao pegar no telemóvel, vi que passavam dois minutos das dez da manhã; para além disso, tinha cerca de 18 chamadas não atendidas da Francisca e duas do Rafael e, imediatamente, levo uma mão à cabeça. Foda-se.

Liguei de volta à Francisca:

"Onde é que tu estás!?" Berrou-me ela, mal atendeu a chamada. "O meu turno acabava às oito! São dez horas e eu ainda aqui estou, onde é que tu estás!?"

Engoli em seco: "Tive uns problemas, vou já para aí. Tenho tempo de tomar banho e comer qualquer coisa?"

"Não! Não tens! Tens um quarto de hora para chegar aqui, se ultrapassares esse tempo, eu esfolo-te assim que chegares." Dito isto, desligou a chamada.

Como é que eu me esqueci completamente de que tinha de trabalhar e de que entrava às oito? Ainda por cima no meu último dia de estágio, segunda começo a trabalhar a sério. Espero que o Sr. Ribeiro não se lembre de passar pelo Hostel para descobrir que estou duas horas atrasado, ainda por cima numa Sexta-feira... deixei o Rafael sozinho com a Francisca, pobre rapaz...

O Rafael. Tenho de ficar com ele até ao meio-dia, posteriormente, ele irá para Felgueiras, para uns últimos ensaios antes do grande dia, que era já amanhã. Não sei como vão ser as próximas duas horas, não sei o que vai acontecer assim que vir a cara dele e o conseguir imaginar na perfeição a despedaçar a Violeta como despedaçou. Parte de mim gostava imenso dele, era impossível não gostar, mas agora que sei toda a história daquela relação, não me posso culpar por gostar menos. Por muito que ele diga que está arrependido, eu não sei o que fazer...

De maneira nenhuma a Francisca vai trabalhar mais duas horas, isso implicaria ela ter de trabalhar doze horas e não as oito habituais, ainda por cima sem um intervalo entre as oito horas normais e as quatro extra, portanto terei mesmo de encarar o ex-namorado da rapariga de quem gosto até serem horas de almoço.

Lavei a cara e os dentes e vesti umas calças quaisquer que tinha em cima da cadeira da minha secretária e uma das T-Shirts vermelhas que pediam para usar durante o trabalho. Não tinha nada para comer pelo caminho e duvido que vá ter tempo para ir a algum lado sem que perca o metro, assim sendo o melhor é comer qualquer coisa nas máquinas de comida do Hostel, à entrada... Saí de casa num passo acelerado mais do que o costume, pois a minha vida dependia disso.

Consigo vê-la à minha frente, perto da linha do metro, da mesma maneira como certamente teria estado quando o Luís lhe virou costas por dois segundos. A aproximar-se lentamente, para que ninguém repare, à espera do metro, a dar um passo em frente quando ele estivesse perto. Alguém a agarrá-la e a puxá-la para trás; tanto quanto sei, a pessoa que o fez até pode estar aqui. Um homem que ela jamais virá salvou-lhe a vida. Não imagino como ela se sente. Não conseguimos sentir a dor dos outros até sentirmos o mesmo, e mesmo quando sentimos o mesmo, sentimos de maneiras diferentes. Cada dor é uma dor, cada dor tem formas diferentes para serem ultrapassadas. Oxalá eu descubra a forma de a Violeta ultrapassar a dor dela rapidamente.

Entrei no metro e, pela primeira vez desde que aqui cheguei, pediram-me o meu cartão para verificarem que eu tinha comprado uma passagem. Após verificar tal coisa, o pica foi embora, pedindo cartões a cada pessoa por quem passasse. Quando cheguei à estação onde ia sair, já passava das dez e meia e a Francisca ia matar-me. Tive de dar uma corrida, não só para não chegar ainda mais atrasado, mas também para evitar apanhar tanta chuva, e, ao chegar ao Hostel, a Francisca levantou-se e foi imediatamente para a sala do Staff, deixando o Rafael a olhar para mim com aquela cara de quem sofreu imenso nas duas horas e meia que passaram.