79. Stressed Out

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"We used to play pretend, give each other different names

We would build a rocket ship and then we'd fly it far away

Used to dream of outer space but now they're laughing at our face

Saying, "Wake up, you need to make money".

- Stressed Out por Twenty One Pilots

Portugal só tem dois tipos de chuva: aquela miudinha que parece pó e aquela que provoca inundações, e nem sequer há meio termo. Acho que a época das grandes chuvadas tinha já passado, mas, segundo o Luís, há já alguns anos que o tempo andava assim todo marado e a probabilidade de chover torrencialmente em abril era muito grande, portanto o melhor que tínhamos a fazer era aproveitar o resto do mês de março onde pouco ou nada chove, segundo as previsões do lado meteorológico do Luís.

As coisas têm andado calmas. A Violeta tem ido às aulas e estudado, eu tenho ido trabalhar e passado tempo com ela, o Luís tem corrido e visto televisão. Acho que atingi a alegria rotineira que tantos pretendem alcançar, onde o dia-a-dia é simplesmente genuíno e feliz. Porém, não podia de deixar de me sentir estranho de vez em quando, uma vez que tudo parecia demasiado bem. Não há mal nenhum em tudo parecer demasiado bem, o problema é que quando tudo parece demasiado bem com a Violeta, costuma ser caso para se desconfiar. Mas eu já não consigo decifrar os sinais, se é que eles existem, já não sei se ela anda mesmo a esconder alguma coisa ou se realmente está feliz.

Não acredito que esteja. A Violeta tem demasiados problemas por resolver, demasiados mistérios por desvendar, uma aura demasiado negra que a envolve para a deixar ser feliz do dia para a noite, como aparenta ter acontecido. Um dia ela terá ultrapassado tudo e poderá gozar da vida que sempre sonhou ter, mas esse dia está longe porque ela ainda tem um grande caminho a percorrer. No entanto, tenho deixado andar, não posso insistir nem forçar.

Alguém que andava a levar a vida de todas as maneiras possíveis menos de forma calma era a Francisca. Os dias em que ela sua má disposição são frequentes, um aqui, outro ali, mas ultimamente, todos os dias são dias em que ela pura e simplesmente quer assassinar toda a gente. Geralmente, ela vai de folga e no dia a seguir aparece e está tudo bem, mas desta vez, tal não aconteceu. Já ninguém se atreve a falar com ela para além do banal bom dia ou boa tarde, já ninguém ousa sequer fazer uma piada às escondidas, não vá ela, por acaso, aparecer a meio e ouvi-la. E por muito que eu goste da Francisca, a verdade é que nem mesmo eu tenho paciência para aturá-la de vez em quando - eu, a pessoa mais paciente no mundo.

Aliás, o mau humor todo dela é facilmente demonstrado com uma simples coisa: até a Susana e a Gabriela sabem que eu e a Violeta estamos juntos, e a Francisca não.

"Boa tarde..." Pobre senhora de meia idade que podendo escolher entre mim, o Rafael e a Francisca, escolheu logo a pior opção. "Pode dizer-me onde fica a Torre dos Clérigos?"

"Eu dei-lhe um mapa, não dei?" Respondeu-lhe ela prontamente, sem desviar os olhos do ecrã.

A senhora ficou ligeiramente atordoada, mas prosseguiu: "Eu sei, mas eu vejo mal ao perto e não consigo ler os mapas muito bem."

"Vê bem ao longe?"

Francisca...

"Sim, julgo que sim."

"Então quando sair daqui, vai ver ao longe uma torre no meio de muitas casas às cores, dirija-se para lá."

O Rafael e eu entreolhamo-nos e acho que ambos percebemos que um de nós teria de falar com a senhora; falando melhor português do que eu, o Rafael pediu desculpa pela Francisca e apressou-se a dar melhores indicações à Senhora, falando-lhe até das horas a que o metro passava na estação de General Torres. A senhora agradeceu e despediu-se de nós os dois, não da Francisca, obviamente. E aproveitando o facto de não estar ninguém na receção, o Rafael lançou-se sobre a Francisca.

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