Capítulo 18

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– Christiano! – gritei. – Cadê sua mochila?

Acordamos super atrasados pra aula e nada do Christiano estava organizado, fazendo a gente perder mais tempo ainda. Saímos às pressas de casa sem nem ter comido alguma coisa e corremos para a escola.

Nossa primeira aula tinha 4 tempos direto e se a gente não tivesse conseguido chegar a tempo de pegar a chamada no primeiro tempo o professor não nos deixaria mais entrar e assim perderíamos todas as aulas dele e ganharíamos quatro faltas. A aula em si nem era tão chata, mas o professor que era meio enjoado e tornava tudo muito mais cansativo.

– Atenção pra chamada! – disse o professor. –... Christiano.

– Viado. – alguém disse disfarçando com tosse e começaram a rir baixinho.

Vi Christiano passar os olhos na sala inteira a procura da pessoa que tinha feito a tal brincadeira idiota e só depois respondeu. Na mesma hora ele já fechou a cara e eu percebi que ele estava muito puto. Pedi pra ele relaxar e ignorar as babaquices de escola, mas assim que a chamada terminou o professor pediu um voluntário para ler um trecho do livro para a turma.

– Se ninguém se oferecer, eu vou escolher pela lista de chamada. – disse o professor e turma se manteve em silêncio. – Christiano.

– Ah, fala sério. – disse Christiano.

– Pode começar a ler. Eu digo quando parar.

– Tenho mesmo que ler? – disse Christiano e o professor balançou a cabeça.

– Aqui na frente.

Christiano começou a ler para a turma enquanto todos pareciam quietos e atenciosos. Dava pra ouvir um cochicho aqui e ali, mas era o normal de sempre. Nessas horas todo mundo quer conversar. Duas páginas depois e nada do professor pedir para que outra pessoa lesse o texto.

– Professor? – disse uma mulher na porta da sala. Christiano parou a leitura. – Desculpa interromper, a Rosana está te chamando.

– Eu já volto. – disse o professor se levantando. – Mas continue a leitura. Ta indo bem.

O professor saiu da sala de aula e Christiano voltou a ler.

– Viado.

A mesma voz e a mesma brincadeira idiota. A turma era cheia e não consegui identificar quem era e pelo visto nem o Christiano, pois ele continuou a leitura sem se importar. A ofensa veio mais uma vez pela mesma voz, só que agora as risadas dos colegas em volta denunciaram. Christiano deu passos largos até onde o brincalhão estava e aquela altura eu já sabia que ia dar merda.

– Levanta! – gritou Christiano.

– Qual foi? – disse o garoto.

– Levanta dessa porra e me chama de viado de novo! Levanta. – disse Christiano depois de socar a mesa.

– Tá querendo apanhar? – disse Pedro levantando e ficando de frente para o Christiano.

– Fica na tua, Pedro. – alertou o garoto ao lado. – Desculpa aí, Christiano.

– Vai me chamar de viado de novo? – disse Christiano apontando o dedo na cara dele.

– Tira esse dedo da minha cara. – disse Pedro e depois empurrou Christiano.

Christiano o empurrou e Pedro cambaleou pra trás bagunçando todas as mesas por perto.

– Quem é o 'viado' aqui? – disse Christiano.

– Vai tomar no teu cu. Vai negar que tu é viado agora, é?

Levantei da mesa, mas antes que eu pudesse chegar até lá a briga já tinha começado e a sala foi inundada pelos barulhos de cadeiras caindo e mesas se arrastando. Todo mundo que estava perto se afastou, mas ninguém tentou separar porque estavam com medo de acabarem apanhando junto ou porque queriam assistir o circo pegar fogo. Fernando foi quem me ajudou a separar os dois.

– Chega dessa porra. – disse Fernando – Sabe que se o professor chegar vai acabar dando merda pra vocês dois, né?

– Vai lá ficar com teu namoradinho. – disse Pedro limpando o sangue do seu lábio inferior.

– Eu acho bom os dois sentarem e todo mundo fingir que nada aconteceu.

– Eu vou te arrebentar todo se eu te ver fazendo gracinha de novo pra mim, seu merda. – disse Christiano apontando o dedo de longe.

– Vamos, Christiano. Chega. – eu disse empurrando ele pro nosso canto da sala.

– E tu deixa de ser vacilão.

– Qual foi, Fernando? Vai ficar do lado dele? – disse Pedro.

– Você tá doido, cara? – eu disse passando um lenço na boca do Christiano que também estava sangrando um pouco.

– Isso vai acabar quando? – perguntou Christiano.

– Sempre vai ter um idiota pra falar besteira. – passei o lenço no pequeno machucado e ele afastou um pouco o rosto.

– Eu já to cansado de ter gente me olhando torto, implicando comigo, pais que não me aceitam...

– Oh, Chris. – eu disse deixando repousando minhas mãos sobre a perna dele. – Desculpa. Eu sei que é horrível e odeio ter que fazer você passar por isso.

– Não, não! Não é sua culpa. Não quis dizer isso.

– Eu sei que não é, mas ao mesmo tempo é.

– Não quis te magoar. Não é sua culpa, eu sei disso. É que não estou muito acostumado com isso, mas a gente enfrenta qualquer coisa.

É claro que Christiano não estava acostumado com aquilo. De certa forma tudo aquilo era uma coisa nova pra ele. Christiano nunca cresceu tendo que se reprimir para entrar no padrão que os familiares e amigos achavam correto, nunca teve que tentar passar despercebido e esconder suas coisas para que as pessoas em volta não o reprimissem. Durante toda a sua vida as coisas aconteceram naturalmente e sem esses estresses, mas agora assumindo um namoro com alguém do mesmo sexo tudo vinha a tona e ele experimentaria o quão ruim poderia ser passar por essas coisas vez ou outra, e isso parecia ter aflorado mais depois que ele teve que lidar com as atitudes de seu pai. Ser reprimido e não ter apoio dentro de casa é, sem dúvida alguma, a pior coisa.

...

O Amigo - 2ª TemporadaOnde histórias criam vida. Descubra agora