A cor magenta

477 59 4
                                    

Assim que acordei na manhã seguinte, meu primeiro pensamento foi o garoto que esfaqueei na briga com Herman. Atravessei a cerca do Sangradouro e o encontrei tocando galinhas para uma espécie de galinheiro mal feito, o arame esburacado e enfeitado com penas soltas.

— Daniel? – chamei.

Ele olhou para mim e franziu o rosto em desprezo.

— É Dante.

— Certo... Olha, sinto muito pelo machucado com a faca. – pausei e procurei o que dizer, e ele apenas ergueu uma sobrancelha. — Não foi de propósito... e você sabe disso.

— Eu sei? – ele começou a fechar o galinheiro.

— Teria acontecido pior se eu não tivesse feito nada a respeito.

Dante soltou um suspiro irônico e se virou para mim, e senti cheiro de fritura. Seu braço estava envolvido por um pano manchado de sujeira e sangue, mas não parecia tão ruim.

— Qual é, tem algum motivo para você não me desculpar? – indaguei.

— Não fui a favor de nenhum de vocês dois ficarem nessa mértila, então imagine a minha felicidade quando achei que seria morto pelos malucos.

— Pode me chamar do que quiser, eu ainda sou Socorrista e tenho feito meu trabalho muito bem.

— Não tira o fato de você...

— Me desculpe, ok?! – exclamei. — Eu estava com medo de ver as coisas piorarem e não fazer nada, então me desculpe por ter tentado ajudar do jeito errado. – respirei fundo e cerrei os punhos brevemente. — Imagino que não confie em mim depois de tudo o que Herman falou, mas os Encarregados estão mantendo esse lugar de pé há dois anos, então acho que na decisão deles você deveria confiar.

Dante revirou os olhos e trocou a perna em que apoiava seu peso, cruzando os braços.

— Uma garota nova acabou de chegar e há meses já não é novidade que as coisas estão mudando. E eu sei que você está com medo, cara, porque todo mundo está. – continuei. — Não uso isso como desculpa, mas depois de ter passado dias sentindo a minha vida ameaçada, eu quase não conseguia mais pensar no que fazer. Só sabia que era errado ficar parada vendo-o machucar mais alguém...

Ele me encarava de cabeça baixa e batendo o dedo indicador no braço, como se pensasse no que fazer.

— Fedelha! – Caçarola gritou da Cozinha e me fez quebrar o contato visual com Dante.

Ele inclinou-se por trás da quina da pequena casa e agarrou dois sacos com o que acreditei serem pedaços de carne, e jogou-os para mim. Estendi os dois braços para ampará-los e senti o sangue gelado através do plástico.

— É isso o que ele quer. Faça seu trabalho e está de bom tamanho. – Dante disse.

Sustentei seu olhar por mais um tempo, e então dei-lhe as costas e atravessei a Clareira para fora dali, percebendo que eu deveria me contentar com aquilo como a aceitação das desculpas, ou viveria assombrada pelo mês com Herman.

— Ei! – exclamei mais tarde quando Tagarela pulou sobre mim com as duas patas no meu abdômen e me derrubou na grama da entrada do Campo-Santo. — Meu, como eu senti sua falta... – murmurei rindo e o acariciando, desta vez divertida com as linhas azuis esverdeadas que brincavam alegremente ao meu redor, enquanto ele atacava o lanche que eu levava comigo. — Tem ideia do que aconteceu nesses últimos dias? Você tem? – disse segurando seu rosto entre minhas mãos. — Vamos, não tenho muito tempo.

Deitei na grama de barriga para baixo e comecei a contar todo o ocorrido no maior bom humor possível, enquanto ele atacava o meu sanduíche e a minha maçã.

Socorristas  | Maze Runner ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora