Apática

259 24 4
                                    

 Não tive muito tempo para me recuperar do nervosismo de não conseguir ajudar Thomas. Jorge e alguns garotos ergueram-no pelos braços e pelas pernas e logo pude notar que ele desmaiara. A dor que sentira era inimaginável por qualquer um de nós. “O que você sabe? Não foi capaz de fazer nada, e quer achar que entende o que ele passou?”, era esse o tipo de pensamento que me perseguia enquanto caminhávamos cidade a fora. Eu tentava ignorar, mas uma questão sempre fazia o ódio de tudo aquilo voltar: por que eu não sabia tratar daquilo? Era uma pergunta muito simples, porque um ferimento à bala também era muito simples. O que mais devia haver naquele mundo agora eram armas de fogo para que as pessoas pudessem se proteger dignamente de Cranks, então eu devia ter aprendido algo sobre elas. Se minha mãe havia se dado o trabalho de me ensinar sobre partos, com certeza quis que eu soubesse sobre armas também. Se não ela, pelo menos meu padrasto.

 Ouvi um urro de um dos garotos mais à frente e voltei à realidade. Um deles acertava uma pá na cabeça de um Crank e logo mais três foram ajuda-lo. Estavam perto de uma casa, e a porta da frente desta foi aberta, vomitando uma dezena de pessoas magras e mal tratadas, que correram na direção dos Clareanos.

  — Liam! Vamos embora! — Minho gritou para o menino com a pá, remexendo as mãos no corpo de Thomas.

 Antes que eu me desse conta, todos nós corríamos dos Cranks. Os que seguravam Thomas iam à frente e o restante de nós permanecia atrás para dar cobertura.

  — Ei! — um dos garotos gritou correndo ao meu lado, ainda que longe. Ele apontou para algo perto de uns prédios mais distantes e demorei a reconhecer o que era. Mas assim que o fiz, soube o que ele queria dizer.

 Afastei-me do grupo e corri até o beco ao lado de um prédio de concreto. Era difícil ter certeza, principalmente com a minha repulsa em pôr as mãos, mas parecia haver quatro gatos, imóveis, negros, amontoados uns sobre os outros. Uma parte de mim queria acreditar que o Fulgor não levava a humanidade ao ponto de comerem animais, e outra parte torcia para que sim. Eu me sentia horrível por pensar desse jeito e piorou quando me lembrei de Tagarela.

 Não sabia da onde tiraria coragem para tocar neles, mas eu já o fazia. Juntei-os nos meus braços e tentei fingir que estava carregando apenas um cobertor muito fofo e escuro. Respirei fundo rapidamente antes de voltar a me aproximar do grupo, que passava quase ao meu lado.

 “Desculpe, Tagarela”, pensei tristemente e gritei para chamar a atenção dos Cranks. Esperei até que o pessoal com Thomas passasse e acertei um dos loucos com um gato. “Deus, sou uma pessoa horrível...”. O Crank agarrou o animal e não tardou a cravar os dentes no frágil pescoço. Uma mulher ao lado arranhou o rosto do homem e os dois começaram a disputar a comida. Continuei acertando os mais próximos ao mesmo tempo em que recuava rapidamente. Quando me vi livre dos gatos, uma Crank estava a um passo de me atacar, e, antes que eu pudesse pensar, Mike acertou o rosto dela rudemente com um taco. Tornamos a correr, olhando para trás apenas para perceber que tinham se distraído o suficiente com os animais.

 Não demoramos a alcançar o fim da cidade, entrando na vastidão desértica outra vez. Foi como respirar novamente. Não era bom, mas era muito melhor do que estar cercada daquela doença. E de morte. De assassinato.

 Continuamos a nos afastar, todos que seguravam Thomas deram lugar para que outros o fizessem e tivessem um descanso. Newt estava sempre dizendo a Jorge que deveríamos estar num lugar mais seguro para tratar do ferimento, então levamos mais um tempo até pararmos.

  — Vou precisar de fogo. E uma faca. — foi o que o Crank disse. Eu naturalmente tinha curiosidade para saber como ele cuidaria daquilo, mas não sabia se estava psicologicamente bem para ver o quanto Thomas sofreria.

Socorristas  | Maze Runner ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora