Uma metade da laranja - Parte 1

219 23 2
                                    

Eu recobrei a consciência, reprimindo um gemido rouco na garganta. Soltei um soluço e puxei o ar por entre os dentes e me permiti chorar. Eu teria que abrir os olhos e encarar o que me cercava de qualquer jeito, então não me importava em deixar esse momento para depois. Recolhi meu corpo em posição fetal, cobrindo minhas orelhas com os braços e entrelaçando meus dedos atrás da cabeça, afundando-me no gosto de canela que sentia. Com toda a bagunça que estava os meus pensamentos, quis me concentrar apenas na música da Transformação. Eu sentia como se estivesse de volta à Caixa, de volta ao início, e não sabia se seria bom ou ruim caso fosse verdade.

E aqui vou eu

Oh oh oh oh

Oh oh oh oh

Oh oh oh oh

Cinco, quatro, três, dois, um

A arma se foi, assim como eu

E aqui vou eu

 Meu choro foi passando à medida que eu cantava a música em voz alta, sem ter ideia se havia mais alguém ali. Os soluços cessaram e meu corpo ficou menos tenso. Suspirei uma última vez antes de abrir os olhos.

 Eu estava deitada no chão, cercada de paredes brancas e uma luz absurdamente clara. Uma porta se abriu alguns metros à minha frente, dando passagem ao Cara-de-Rato e mais dois guardas para caminharem na minha direção. Tentei me movimentar para longe, mas senti como se meus membros pesassem toneladas. Meus olhos mal se abriam. Era como se todo cansaço que já senti nos últimos meses tivesse sido injetado em mim. O Cara-de-Rato parou perto demais e se abaixou.

  — É uma pena, Perenelle. – ele disse.

 Sua mão foi erguida segurando uma seringa. Era isso. Era aquela a minha sentença de morte. Só esperava que Newt me perdoasse por ter saído da cama.

Ao abrir os olhos outra vez, eu não tinha ideia se estava viva ou morta. Senti o arrepio que percorreu meu braço ao toque de mais uma agulha. Não saberia que era uma agulha se não fosse pela sensação de algo entrando em minha pele com facilidade. Eu devia estar sedada o bastante para não senti-la espetar.

 Encarando o teto, percebi que agora havia bem menos luz no local, uma lâmpada estava acesa bem acima de mim. Tinha mais pessoas ao meu redor, eu só não conseguia vê-las. Tentei produzir algum som, mas parecia haver uma caixa inteira de algodão na minha boca. Meus membros não me respondiam, eu quase não os sentia.

  — A linha entre o talento profundo e a deficiência profunda parece ser realmente muito tênue. – uma mulher disse, reflexiva. Ela estava logo ao meu lado, ainda que sua voz soasse muito distante, cheirando a puro mofo. — Ela está pronta. – sua respiração se aproximou mais. — Sugiro que feche os olhos.

 Algo rangeu, raspou e tiniu, e em seguida uma coisa negra e monstruosa descia das sombras do teto em direção ao meu rosto. Não estava certa do que era, mas não podia ser bom. Meus olhos se arregalaram e fiz de tudo para me mexer. Um ecocardiograma produzia um apito irritante no local.

  — Frequência cardíaca se elevando. – alguém informou.

 A mulher respondeu alguma coisa e o aparelho acima de mim parou de se aproximar. Tudo ficou quieto, ou pelo menos pareceu. Meu coração era a única coisa barulhenta. De repente, alguém se aproximou.

  — Nelly... Estamos quase lá... Fique calma.

 Newt me observava com o olhar singelo, falava com o sotaque doce de sempre. Mas o que ele estava fazendo ali?

Socorristas  | Maze Runner ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora