Noite da fogueira

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No dia seguinte ao infeliz episódio do biscoito, encontrei o Encarregado dos Desbastadores nos Jardins e ele não demorou a começar a me dar ordens. Eu deveria podar, plantar, cavar buracos e, segundo ele, enrolar até que o dia terminasse, pois raramente havia muita coisa para se fazer ali. Provavelmente era o trabalho mais cansativo, depois de ser Corredor, pois não tinha como evitar o sol enquanto ficava-se inclinado para fazer o serviço.

Minhas costas não demoraram a reclamar e quase deitei ali mesmo para descansar quando percebi que ainda faltavam duas horas para o almoço. Vi um dos garotos a alguns metros de distância apoiado na sua pá enquanto me observava. Percebi minha posição despudorada para cavar o lugar das mudas e imitei a posição dele, encarando-o com uma carranca séria. Ele riu e antes de voltar ao trabalho.

Eu sabia que o único motivo de garotos como ele me olharem daquela forma era o fato de eu ser a única garota ali. Eu já havia parado para reparar no meu corpo e vi que era exagero a atenção que eles me davam.

Por vezes eu me pegava imaginando tendo uma vida decente, que não se resumisse em trabalho todos os dias e aqueles olhares.

— Você não parece querer facilitar para si mesma, isso está melhor do que esses trolhos fazem. — Newt disse ao se aproximar com um copo de água, observando meu trabalho.

— Obrigada. — falei, mais pela água do que pelo elogio. Bebi tudo num gole só, já ansiando por mais.

— Lembro do inferno que foi quando tive que passar um dia inteiro nisso e acho que Zart vai te querer aqui. — ele disse.

Limpei o suor da minha testa com as costas da mão e olhei para a terra ao redor, surpreendendo-me de verdade. Os garotos dali tinham dado um grande espaçamento entre cada cavidade para que completassem mais rápido o espaço pré-definido por Zart.

— Será que você não pode... Sabe... — comecei sem jeito.

— Se eu continuar te livrando dos trabalhos assim, Alby vai enterrar nós dois nessas coisas. Achei que fosse mais esperta e faria o mesmo que fez nos banheiros.

— Eu não precisaria estar aqui se você tivesse me deixado como Socorrista. — adverti, desta vez mais em desafio do que era permitido.

— Nelly, a vida de uma pessoa não é brincadeira, se você não sabe. Você errou, perdeu o lugar. Quem sabe seu destino é plantar árvores? Melhor pensar nisso.

Encarei-o por um tempo, digerindo a sinceridade dele sob o sarcasmo.

— Não conte comigo se estiver tendo uma hemorragia. — falei amargamente e ele sorriu, parecendo satisfeito com a minha resposta.

— Pode deixar.

Ele se virou e seguiu para fora dos Jardins, e permaneci fitando suas costas antes de voltar a cavar, usando mais força que o necessário.

Após o almoço, minha raiva daquele trabalho não podia ser maior. Levei uma garrafa de água para lá e na primeira vez em que dei as costas a ela, alguém a pegou.

— Podemos fazer assim. — o garoto que me observara antes disse ao se aproximar de mim, segurando a garrafa. — Eu devolvo ela a você e nos encontramos atrás do vestiário depois do jantar.

Mal pude acreditar que ele esperava que eu trocasse uma pegação por água.

Olhei para a garrafa, sentindo minha boca seca, e olhei para ele inexpressiva.

— Sai daqui. — murmurei, apontando para o lado com a cabeça.

Ele ergueu as mãos em cumplicidade e se foi. Assim que atingiu uma distância considerável, voltei ao trabalho, tentando não pensar que eu não estaria presa com ele se não fosse pelos malditos Criadores. Pensar nisso fez eu me lembrar dos machucados no meu corpo e no que poderia ter causado eles.

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