Capítulo 4

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**Ben**

Acordo com o som de uma britadeira no meu ouvido. Meio atordoado tento entender de onde vem o som e ao olhar para o lado vejo Gustavo dormindo jogado no sofá do meu quarto. Tentei leva-lo para o quarto de hospedes, mas é no final do corredor, ele é muito pesado e bêbado dificultou a minha vida, então o sofá foi de grande ajuda.

Desço as escadas e ouço o barulho de conversa na cozinha, quando passo pela porta encontro de imediato minha mãe conversando com Cida, nossa governanta a mais de vinte anos. A mulher dos cabelos brancos e olhos azuis me observa antes mesmo de eu falar alguma coisa.

- Bom dia Ben – Cida sorri como sempre pra mim e me entrega uma caneca de café com leite. A mesma caneca, o mesmo cheiro o mesmo gosto de sempre.

- Bom dia Cida – Beijo-lhe o rosto e me sento em frente à minha mãe.

- Chegou tarde ontem – Ela me olha por cima do jornal – Pensei que estivesse estudando para aquele curso preparatório de cirurgia que conversamos.

- Bom dia mãe – Rebato ao mesmo tempo em que ela me olha com desdém.

- Bom dia Ben – Empurrando os óculos Dolce Gabana que ela trouxe de Londres ela continua – E o curso?

- Eu não bebi ontem, só pra você saber.

- E quem estava roncando como um trator? Nitidamente bêbado?

- Gustavo. Precisei trazê-lo para casa. – Dou um gole no meu café com leite me arrependendo de ter entrando na cozinha, sempre cobranças e mais cobranças. De nada valeu ter entrado em uma das universidades mais concorridas de medicina, de nada adianta ser o primeiro aluno da turma, nada adianta estar com a residência praticamente garantia no maior centro médico do estado. A única coisa que importa pra ela é que eu me torne cirurgião, assim como meu pai foi.

Meu pai, o grande neurocirurgião que era considerado uma estrela, renomado e audacioso ele estava entre os principais cirurgiões de toda a América Latina. Morreu de infarto aos 45 anos, então me pergunto, será que tanta pressão para ser sempre o melhor deu a melhor vida pra ele? Deu dinheiro. Ok! Mas eu preferia ter uma vida mais simples e poder ter o meu pai ao meu lado, poder dizer que o conheci de verdade, saber que éramos amigos, não sentir um vazio no peito quando olho para a foto dele e vejo que ele é um completo estranho pra mim. Sempre focado na sua próxima cirurgia, no seu próximo ato memorável, na construção de uma carreira brilhante sem precedentes no país e nunca em ser simplesmente o meu pai.

- Entendo – Ela fala me trazendo de volta das minhas lamentações – Mas e o curso? Você já fez a inscrição?

- Não.

- Mas Benjamim – Ela esbraveja – O prazo é até hoje, porque tanta demora? Não é o que queremos? Vai ser puxado, mas você precisa se esforçar agora para poder dar início a sua carreira.

- Mãe – Respiro fundo - Não é o que queremos – Falo no mesmo instante que ela joga o jornal na mesa e me olha irritada. Olho Cida por cima da cabeça da minha mãe e vejo o olhar encorajador que ela me lança, Cida sabe da minha paixão por pediatria, sabe como me sinto sobre meu pai, ela sabe de tudo, graças as nossas longas conversas nas tarde que minha mãe está no Country Clube bebendo seu Martini e projetando meu futuro.

-Não é? Explique-me porque não estou entendendo.

- Você não entende porque não me deixa falar, eu nunca disse que queria ser cirurgião, foi você que colocou isso na cabeça.

- Mas você também nunca disse que não queria Benjamim – Merda, nesse ponto ela tem razão, sempre a deixei ditar as regras.

- Eu sei – Suspiro tentando encontrar as palavras certas – Eu nunca disse, porque não queria te magoar, mas mãe eu não quero ser neurocirurgião.

- Você quer ser o que então? Cirurgião cardiologista? Ou cirurgião plástico?

- Porque um médico só pode ser cirurgião pra você? E se eu quiser ser clico geral? Ou um ortopedista ou um pediatra? Seria uma coisa ruim pra você?

- É o que os médicos normais são. Eu sou uma médica normal, mas você não nasceu pra ser mais um meu filho, você nasceu pra brilhar, assim como seu pai, o legado do seu pai é uma coisa importante para ser levado a diante, o seu sobrenome tem peso Benjamim Albuquerque.

- Eu não sou ele tá legal – Me irrito colocando a xicara na mesa, levanto ao mesmo tempo que Gustavo aparece na sala – Eu quero trilhar o meu caminho, eu não quero ser cirurgião, eu não quero ter toda a minha vida desenhada em cima das suas projeções. Muito menos atrás da sombra do que meu pai foi.

- Benjamim! – Ela grita enquanto saio pela porta puxando Gustavo que me olha assustado – Não terminei de falar com você.

- Mas eu terminei de falar – Pego minhas chaves sobre o aparador da sala – Te levo pra casa G. Vamos logo antes que a terceira guerra mundial caia sobre a minha cabeça.

- Ela está espumando pela boca.

- Eu sei cara, mas eu preciso dar um rumo na minha vida, ela não pode me controlar assim.

- Finalmente – Gustavo pula no banco do passageiro do meu carro – Vamos todos virar ginecologistas e pegar mulher.

- Você é nojento quando fala isso, ética zero.

- Pare de ser tão certinho – Gustavo joga os braços atrás da cabeça – Você está sempre tenso, tudo tem que ser certinho o tempo todo, fica pensando mil vezes no que vai fazer, você precisa aproveitar a vida cara.

- Eu sei – Arranco com o carro da garagem, passando pelo grande portão automático que dá acessa a rua principal do condomínio fechado que moro – Eu sei.

Entre o medo e as estrelas - Série Perfeição Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora