TRINTA E QUATRO | *ALIVE*

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NÃO DORMI AQUELA noite por motivos óbvios. Além dos pesadelos que certamente iria ter com o caixão de Enzo, as lágrimas e a dor de cabeça me impediram de sequer conseguir tirar uma soneca.

Portanto, quando sentei na mesa da lanchonete que costumava ficar antes das aulas começarem, meus olhos possuíam olheiras escuras e meu aspecto era doentio. Mas me forçava a não lembrar dele. As lágrimas não poderiam reaparecer.

A dor continuava ali. Aquele vazio, como se um dos meus membros tivesse sido arrancado.

Era uma sensação sufocante e terrível.

— Força, Kananda — falei baixinho. — Você já passou por tanta coisa, não é?

Mas não adiantou nada. Pensar que não veria mais Lorenzo fazia meu peito arder com pontadas curtas. Nunca presenciei algo assim tão de perto. Porque sendo sincera, nunca amei Gabriel como amo Lorenzo.

Talvez o fato da minha mãe ter me abandonado pudesse refletir no que estava sentindo? Mas novamente, até onde sabia, ela estava viva e poderia aparecer naquele segundo. Agora, a morte de Gabriel e Lorenzo, juntos... me fazia pensar em como seria perder vovó.

Não. Não. Ela não podia nem pensar em morrer.

Meu celular vibrou. Funguei e passei a manga do casaco nos olhos, secando algumas lágrimas que começaram a se rebelar contra minha vontade.

Era uma mensagem de Cristina.

Onde você está? Já é 08:00h, anjo. Pensei que viria hoje.

Olhei o relógio com assombro, somente para ter certeza que tinha passado trinta minutos olhando para o nada e pensando nele. Vir era uma coisa, estar presente de alma já era outra bem diferente.

Cristina não sabia sobre meu envolvimento com Lorenzo e o Perverse Killers, e contar seria relembrar os momentos bons e ruins do passado que não voltariam mais. Eu já tinha omitido a verdade de Sara, por que não mais de alguém?

Mentir era uma das minhas melhores especialidades, mas esconder os sentimentos não era tão fácil. Respondi:

Amiga... me atrasei e daqui a pouco chego aí.

Seria vergonhoso se ela viesse comprar algo e me visse ali sentada. Era a mesma lanchonete embaixo de nossa sala, onde às vezes comprávamos café ou salgados. Era difícil esconder meus cabelos, caso algo assim acontecesse.

Me amaldiçoei por não ter colocado o costumeiro moletom.

Ah, que bom. Contei que estou namorando Dharck? — Ela mandou.

Soltei o celular na mesa e trinquei os dentes.

Senti inveja de Cristina. Ela, finalmente, tinha encontrado alguém. Dharck parecia um sujeito legal, além de ser lindo. Mas só no que conseguia pensar era na ideia de ela ter uma pessoa e eu não. Porque ele tinha morrido e me deixado aqui.

Sentimento mesquinho. Mas era o único que me preenchia.

Com dificuldade e sarcasmo, digitei:

Muito bom... espero que seja imensamente feliz com o delegado federal.

Mas como o sarcasmo não era facilmente detectado pelas mensagens, sua resposta veio animada até demais.

Vai demorar muito para chegar aqui? Quero contar como foi o pedido.

Me segurei ao máximo para não ser grossa e infantil — afinal, ela não tinha como saber o que eu estava sentindo — e mandei que sim, demoraria porque meu ônibus quebrou na estrada e até que outro viesse nos acudir demoraria.

Cristina mandou uma carinha triste e antes que pudesse falar algo que me arrependeria depois, desliguei o Wi-Fi. Coloquei o celular na bolsa e olhei ao redor. Para meu azar, alguns casais rindo e trocando carinhos ou tomando seus cafés estavam ali.

Tudo para me mostrar que aquilo não aconteceria tão cedo. Talvez nunca. Lorenzo estragou todos os homens para mim.

Eles não teriam suas tatuagens.

Eles não lutariam como ele.

Eles não fumariam como ele.

Eles não sorririam como ele.

Eles não... estariam mortos como ele.

Fechei os olhos e forcei a palma da mão contra a testa. Não chore, não chore, Kananda. Abri os olhos e olhei para a rua. Algumas folhagens cresciam depois das portas de vidro, talvez a paisagem me acalmasse um pouco.

A natureza tinha um ótimo dom em mim.

Porém, notei alguém parado atrás de uma palmeira, os ombros levantados, o capuz preto sobre a cabeça tapando suas feições. O sujeito parecia estar olhando diretamente para mim. Pisquei forte, temendo que fosse uma alucinação.

Mas não. Ele continuava lá.

Será que... Não. Não fazia sentido Sadrack mandar um homem me vigiar e ele ficar assim, tão à mostra. Mas não sabia o que pensar daquela pessoa esquisita, parada lá fora, vigiando o que tinha aqui dentro. Franzindo o cenho, levantei e arrumei a bolsa, colocando a alça sobre o ombro.

Era melhor enfrentar Cristina do que aquela sombra sem rosto. Contornei algumas mesas e estava perto do balcão de recepção quando ouvi um barulho alto, algo explodindo?, eu voei rápido demais e escutei meu próprio grito.

Jesus, o que estava acontecendo? Foi a pergunta que circulou minha mente, até...

...O calor e a escuridão me envolverem.


Death | Vol. IIOnde histórias criam vida. Descubra agora