DOZE | *WILD*

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ERA BOM ENCARAR o papel de parede do meu recente celular, dado também por meu recente pai, e ter a foto de Sanus ali

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ERA BOM ENCARAR o papel de parede do meu recente celular, dado também por meu recente pai, e ter a foto de Sanus ali. Mas não era bom de maneira alguma, saber que ele estava tão próximo de Kananda. Porco maldito.

Quando o segui e vi os dois deitados na areia, olhando para o céu e rindo, naquele dia em que pedi sua ajuda... meu sangue ferveu de ciúme. Por mais que fosse irracional e eles fossem apenas amigos. Queria ter aparecido e dito uma frase impactante como: "Ei, estou vivo. Surpresa!".

Mas não. Fiquei observando a pontaria de Kananda. Ela era boa — como sempre imaginei que fosse.

Mas somente a ideia de dividir a atenção de Sanus com ela... já fazia com que os níveis do meu ciúme elevassem. E essa situação era tão mesquinha! Mas ainda mais por ela, também! Que teve Lorenzo, Gabriel, Aaron e eu aos seus pés.

Kananda parecia uma bruxa. Para todos que olhava e que ficavam perto dela tempo suficiente, eram hipnotizados e eu podia ver que Sanus estava indo pelo mesmo caminho. Rindo com ela, ensinando-a a atirar, contando sobre pequenos detalhes de sua vida.

Ou o que podia contar tirando a parte que pertencia a uma Liga de assassinos.

Sanus estava se tornando amigo de Kananda.

Joguei o celular na cama, bloqueando a tela e levantando. Tentei limpar a mente e dizer a mim mesmo que nós namorávamos. Que não tinha com o que me preocupar, porque Sanus continuava me amando, independentemente de estar fingindo minha morte ou não.

Independentemente de ter ficado no lado inimigo ou não.

Fiquei de frente para o espelho e olhei o buraco repugnante que ainda estava em minha pele.

— Sabe, nessas horas eu queria muito ser um vampiro, para ter regeneração instantânea — disse em voz alta.

Pietro, sentado na minha cama, sorriu.

— Sabe que ainda teremos que esperar, pelo menos, um mês para você se curar completamente, não é?

Um mês é muito tempo.

Fiz uma careta e larguei a regata azul, emprestada por Lorenzo, sobre o curativo que grudei com esparadrapo. Por que isso dói tanto quando descola? Sentei no chão, sentindo a dureza e o frio em minha calça imediatamente.

Ficamos em um silêncio carregado quando não respondi.

Ele estava tentando se aproximar de mim. Anos perdidos apostando serem amparados em dias. Mas não sabia se conseguiria abrir uma brecha, como tinha feito com Sadrack. E se Pietro fosse igual ao irmão? E se, novamente, ele quisesse que eu fosse seu pião, como Sadrack sempre me instruiu?

Ainda não. Ou talvez nunca.

— Como se sente sabendo que tem um filho? — Brinquei, tentando descontrair.

Pietro estralou os ossos dos dedos das mãos com força.

— Um lixo, Scott. Não cuidei de você como prometi a sua mãe. Me sinto culpado por cada marca branca em seu corpo. — Ele me encarou, vendo a surpresa em meu olhar. — Acha que não vi as cicatrizes? Com quantos anos as torturas começaram?

Levantei novamente, inquieto, e me dirigi a janela.

Dali, podia ver algumas luzes dos apartamentos ao lado do Perverse ligadas. Fiz pequenas flechas no vidro embaçado. Por um segundo, me permiti pensar o que estariam fazendo naquele momento — tão diferentes da minha situação —, mas depois, minha mente viajou por caminhos obscuros.

¥¥

— O que você tem que saber? — Sadrack perguntou, queimando o charuto em minhas costas.

Cerrei os punhos e mordi a língua para não urrar de dor. Como uma criança de quinze anos conseguia aguentar aquilo? E por que diabos eu tinha que aguentar aquilo?! Quando Sadrack me salvou de ser estuprado por Patrick, pensei que seria amado.

Que ele cuidaria de mim e me ensinaria a ser um homem honrado. A ser igual a ele (como imaginava que Sadrack poderia ser). Estou rindo de mim mesmo agora. Porque ele realmente estava me ensinando a ser como ele e era o pior tipo de lição possível.

O sangue pingava por minhas costelas. As correntes no teto me deixando pendurado, eram as únicas coisas que me seguravam. Fechei os olhos com força, sentindo as ondas de dores atingirem cada ponto do meu cérebro.

— O quê, Scott? — Sibilou e queimou mais um pedaço da minha pele.

Não consegui segurar o gemido fraco dessa vez, então — para não ser acometido por mais uma dose de sofrimento —, o forcei para algo prazeroso.

Como se estivesse gostando daquela covardia. Sadrack adorava ouvir esse som.

— Eu amo a dor — falei.

— Ama?

Eu odeio você, pensei.

— Ela é minha companheira continuei, fracamente. Caminha ao meu lado como ninguém caminhará.

Sadrack ficou na minha frente e sorriu com afeto. Como um animal desses ainda não tinha sido assassinado? Por que eu era obrigado a aceitar isso, quando minha mãe estava morta e não podia me proteger? Merda, por que eu?

Por que não poderia ser outra criança no meu lugar?

Por que Sadrack não tinha ido no lugar de Carmen?

— O que está acima de todas as coisas? Acima da dor? O que você é, meu filho?

A morte estava acima de todas as coisas. Levantei a cabeça, sentindo o orgulho dele em minha pele massacrada, por aguentar tanta tortura sem enlouquecer. E quem disse que não era louco? Quem disse que... Não tinha como fugir.

Eu era filho de Sadrack.

Eu era filho daquele animal e estava me tornando a cada dia, um ser mais parecido com ele.

— Eu sou... — rangi os dentes de raiva e prossegui. — Eu sou um assassino.

¥¥

Eu sou um assassino. Os ecos das lembranças continuavam presentes. Sempre.

Lambi os lábios repentinamente secos e abri a janela, recebendo um sopro de ar gelado. Arrepiou minha pele e felizmente me trouxe de volta. Respirei fundo.

Acalme-se.

Está tudo bem, Scott.

Você está vivo.

Desenhei mais algumas pequenas flechas no vidro antes de responder.

— Não sei quando começaram — fui sincero, minha memória era uma bola de confusão naquele instante —, mas acredito que terminaram aos dezenove anos, Pietro.

Ele fez as contas rapidamente e deixou a boca entreaberta. Os olhos verdes, tão parecidos com os do irmão, estavam esbugalhados por surpresa e receio.

— Mas você tem dezenove anos, Scott.

Sim, eu tenho. Meus dedos calejados se apertaram até sentir as unhas fazendo sulcos nas palmas das mãos. A dor sendo bem recebida, como Sadrack tinha me ensinado ferozmente. O treinamento estaria dentro de mim, pelo tempo que vivesse.

Ele era eu. E eu sempre seria ele. Um monstro. Um demônio. Uma aberração sem alma.

Olhei em sua direção.

— As torturas nunca acabam.

Death | Vol. IIOnde histórias criam vida. Descubra agora