❈ A Nova Estação ❈

3K 249 2.3K
                                    


Tudo aquilo não passou de um sonho, um sonho... de uma noite de verão.
S

obre o chão brotam os primeiros sinais de vida depois de um inverno rigoroso. É a chegada da primavera, tempo de florir e se reconhecer. Muitas vezes pensamos nos conhecer, entretanto mesmo no singelo cair de uma pétala existe algo novo a ser contado. A primavera traz com ela novas pétalas, começando assim um novo ciclo.

Gueto Elmer, primavera 1999

Era mais um dia daqueles em que o sol arde brilhando no céu todo azul sem uma nuvenzinha se quer; as cigarras de setembro cantavam o dia todo sem parar até que morressem e o verde da árvores era intenso e bonito; maritacas ou talvez papagaios faziam uma bela festa na copa destas arvores e lá se camuflavam e ninguém podia vê-las, mas podiam ouvi-las em seu regozijo; as sombras estavam inclinadas para o leste e asfalto de piche era quente e assolava a borracha dos pneus; um mormaço aflituoso era lamúria em um trânsito tedioso. O som das buzinas, o ar condicionado e vento parado daquela tarde.

-Carlos... Não há nada que possa nos separar agora. Me sinto tão ligada a você.

-Sim, Rebeca. Nossos corpos estão juntos. E sinto que agora posso dizer que te amo.

-Eu tenho medo. Mas com você eu... -, de repente a TV foi desligada.

-Mãe! Eu estava assistindo! -, Juliana deu um pulo do sofá deixando os biscoitos caírem por todo tapete.

-A única coisa que você vai assistir, vai ser a minha sandália voando por esta sala! Pode me explicar estas notas aqui? Sua professora me ligou e me contou da sua falta de compromisso. Eu criei você sozinha e agora eu...

-Trabalho em 2 empregos... Tudo bem mãe. -, disse a menina imitando o jeito com que a mãe sempre fazia pra repetir a mesma frase de sempre. - Me desculpa. Eu vou me esforçar mais. -, prometeu revirando os olhos.

-Esforçar? Não estou brincando. Castigo! Sem TV, sem livros de entretenimento ou internet. Vai estudar isso aqui. Estamos conversadas mocinha.

-Sim senhora. -, Juliana subiu as escadas chateada em passos pesados e se trancou em seu quarto. - Saco! -, resmungou bufando.

Passou o restante da tarde escrevendo poemas em folhas velhas que costumava guardar debaixo de seu também velho colchão. Costumava as chamar de folhas de emergência. Fazia um tempo que ela não escrevia poemas tão fervorosamente, ficou realmente impressionada com seu trabalho. Deu uma risadinha sacana e disse olhando pra um grande urso de pelúcia sobre a cama: -Talvez se tudo der certo eu possa ser uma poetiza. Já pensou ursinho? Euzinha escrevendo poemas e sendo aclamada. Hmmm... Sinto aqui dentro do meu peito que talvez eu tenha nascido pra isso! Não quero ser uma esnobe, mas já sendo, eu sou muito boa...-, disse gargalhando. - Talvez eu também saiba contar histórias. Talvez eu pudesse escrever prosa. Quem sabe eu seja a nova Jane Austen? Não... É muito meloso. Talvez eu pudesse ser a nova Hilda Hilst e escrever fluxo de consciência. Gostou? -, olhava fixamente pra cara do urso que obviamente não expressava nada de volta. - Transgressor não? Gosto mais assim! -, concluiu gargalhando ao se lembrar de quando leu escondido "A Obscena Senhora D" na biblioteca da escola.

Já se ia indo o poente e as garças já cruzavam o céu alaranjado. Juliana sabia que deveria estar estudando, mas ao invés disso estava fuxicando em coisas velhas dentro do seu baú e em caixas de papelão que ficavam bem de baixo de sua cama. Em meio a livros velhos, papéis, cadernos antigos, enciclopédias variadas e algumas baratas encontrou um pequeno poema que havia feito na infância e que havia dado à sua querida avó que por desventura tinha falecido há seis anos atrás quando Juliana tinha apenas onze anos. A menina embora se sentisse extremamente triste evitava pensar na morte de sua avó e apenas cultivava em sua memória os bons momentos que com ela viveu. A amava mais que qualquer coisa neste mundo. Eram muito ligadas.

Witchcraft: A Saga De AshântiOnde histórias criam vida. Descubra agora