Pelas mazelas sangrava sangria o sacramento das nossas levianas promessas. Na Arcádia que retumbante retirante naufragava nas águas distantes da esquecida Atlântida. Versículos lidos pela boca grotesca de Vesúvio e Pompéia agora ladram por misericórdia bradando impávidos a canção do rio.
⊰᯽⊱┈──╌❊╌──┈⊰᯽⊱
Lentamente Endora abriu seus olhos recuperando os sentidos. Fotossensibilidade, mãos contidas em correntes de ferro, corpo dependurado, pés que não tocam o chão e punhos cerrados. Cruas feridas em seu rosto, pele seca, sede, frio e fome, coração que implorava por ser vomitado naquela sala escura. Cheiro de sangue, podridão e morte. Esquálida já não esboçava a confiança sórdida de outrora, contudo, buscava uma solução encontrar. O sol fraco a espreita tentava de alguma forma entrar pelos buracos no telhado daquilo que parecia um barracão abandonado. Firmou a vista, pois agora lhe era plúmbea a visão, podendo notar que há alguns metros uma pequena mesa de centro decorava o ambiente e sobre ela um receptáculo contendo o coração de o carneiro e uma adaga. A fuligem pairava como pluma por entre as paredes, calor de fogo e poeira de vergonha.
Passos determinados e impostores ecoam ressoando por todo o recinto. A sede intercalada da fome a impedia de raciocinar com exatidão o que de fato estava acontecendo, sua mente desobediente delirava com o néctar das tulipas vermelhas dos campos de infância e sua boca fantasiava com o elixir que lhe mataria a secura desgastante que trazia todo aquele dissabor. Na labuta por resistir os sons tornaram-se cada vez mais abafados, equalizados e turvos, a mancha de ilusões perdidas cobriu seus olhos e mesmo que a mais laboriosa vontade a fizesse permanecer acordada suas pálpebras superiores beijaram as inferiores num encontro sonil. Pesadelos infindáveis, solilóquio da alma, sonilóquio obsoleto, arcaico, antiquado, quase absorto.
Depois de um cochilo sussurrado, foi despertada pela corrente elétrica que percorreu todo seu corpo. As cordas vocais roucas não conseguiam mais emitir qualquer expressão sonora. Já decidida que deveria ceder, afinal depois de uma noite sofrendo tortura sabia que não mais poderia sobreviver, ainda maia na ausência de seus poderes, porém quando pensou em entregar sua vida a Tânatos, o pingente da sua vívida resistência a impediu. O preciosismo de sua existência não poderia encontrar fim nas mãos de homens que mergulhados em ódio estão. Sabia sua mente que já havia passado por coisas piores e havia adquirido resiliência necessária pra que uma simples noite de tormenta não lhe fosse perturbação. Sua face quase irreconhecível pelas rugas e feridas ainda era capaz de dizer por entrelinhas que não se tornaria uma estrela vagando pelo mundo dos mortos.
Os passos pomposos se tornaram cada vez mais próximos e alguns aros de insegurança entrelaçados como uma cerca sobre seu estado mental causavam lhe a dor da mais espinhosa coroa.
— Surpreendente! Mesmo depois de uma noite toda sendo tratada como a mais nojenta leprosa ainda sim está viva. Me pergunto se a mais terrível das doenças seria capaz de te dizimar.
Quase dissipando o discernimento pôde ainda reconhecer aquela voz. Aquela voz agradável, suave, frágil como a casca de um ovo.
— É incrível, mas deprimente te ver nesta situação. —, prossegui. — À beira da morte. Seria cômico se não fosse icônico. Me é muito gratificante poder ver-te da forma como eu sempre desejei, quase morta. Eu não digo morta porque seria o gosto da minha diversão. Sua morte seria pouco pra humilhação que você merece passar. Sabe eu gosto de te ver assim, de cima enquanto você me olha de baixo como uma barata toda fudida. Você é horrorosa de todas as maneiras possíveis.
— Que jogo sujo. —, a prisioneira sorriu de canto. — Golpe baixo. Odeio a forma como você faz isso. Pediu-me um lugar pra dormir, dei-lhe um banquete e em troca tomou-me as chaves do meu castelo jogando-me na masmorra.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Witchcraft: A Saga De Ashânti
FantastikSete jovens intimamente conectadas pela magia, com as mesmas dores e alegrias viverão uma desventura em busca de salvar as bruxas que ainda existem na terra. Juliana a curiosa, Sol a destemida, Vick a pacificadora, Adessa a ambiciosa, Ryoko a valent...