Hoje acordei com uma saudade das coisas relegadas ao esquecimento. Olhei a minha volta me deparando com a mesma bagunça organizada de sempre, meu cantinho distinto nada estimulante. Hoje, especialmente hoje, decidi olhar pro chão ao caminhar pelas ruas desertas da cidade, afinal não havia ninguém pra olhar, embora eu não fosse olhar se tivesse. Meus pés caminham de um maneira engraçada; meio tortos e deitados; mas eu sinto inveja da ambivalência dos meus pés. Eles sustentam meu corpo todo, são bravos guerreiros. Queria que a minha autoconfiança fosse exatamente igual aos meus pés, eles vem e vão, mas ainda estão me guiando para algum lugar, destino ou espaço. Eles conseguem ter a proeza de desaparecer da minha vista ficando para trás, mas logo eu posso vê-lo alcançar o outro e logo um outro está atrasado de novo, mas logo ele alcança de novo e assim eles estão sempre aqui. A minha autoconfiança exarpa e eu volto a vê-la tão rapidamente quanto eu volto a ver meus pés. Talvez ele só volte quando a minha reputação não está sendo exterminada por alguma pessoa (mas isso raramente acontece). Hoje eu acordei disposta a recrutar todas as minhas qualidades e por isso estou olhando para os meus pés, porque eles nos levará para algum lugar. Hoje eu decidi ignorar todos os insultos, complicações e agressões. Hoje eu quero um dia proeminente. Quero ter certeza de que estou saindo de algum lugar e chegando a outro. É definitivo: não serei mais alguém controlável. Concordo que está e uma terapia refinada e pode soar destoante neste tempo de isolamento, mas eu sou mesmo uma derivação do comum. Estou sempre no vale da estranheza arrebentando a prevalência e reiterando a originalidade. Talvez eu seja detida esta noite por estar caminhando sobre terrenos proibidos, baldios e escuros. Talvez eu receba uma indenização por estar me separando do protótipo que me criaram. Estar na cela mais suja da cadeia me torna ainda mais intacta perante todos os outros. Será um badalo, mas nada muito visionário, talvez até repetitivo. Talvez eu não seja presa esta noite e possa ter um pouco de paz. Francamente falando estou abstêmio da crença de que eles me deixaram refletir isso por muito tempo, mas enquanto eu vou subindo por ladeiras incertas, eu vou refletindo sobre meus pés e a autoconfiança.
Mia estava acompanhando e tentando ajudar Juliana levar suas malas até a estação da Maria-fumaça quando a curiosa sentiu uma vontade terrível de urinar. Ela saiu correndo pelos corredores como um cão louco e acelerado. "Droga! Por que o banheiro tinha que estar tão longe?", pensou enquanto escutava a cachoeira cair no vaso. Deu a descarga e lá ia saindo do banheiro quando escutou um som suspeito vindo de uma das cabines. Se aproximou abrindo cada uma delas e na última delas encontrou Lilly caída sobre a privada tentando induzir vômitos.
— Cai fora daqui sua inconveniente! —, Lilly disse com uma cara meio pálida.
— Nossa!... Você está... Bem? —, perguntou se agachando em prontidão para tentar ajudar.
— Sai daqui! —, ordenou a mimada inconsequente. — Não vê que eu quero ficar sozinha? Sua idiota!
A fúria estava em sua face e a tristeza em seus olhos. Detrás da casca fútil que Lilly havia criado para si mesma estava um núcleo desgastado e saturado do irreal. Juliana se afastou sentindo um peso sobre suas costas. O que havia de ser delegado? Porque ela escolheu por não ser prestativa. Juliana e Lilly nunca foram amigas e nem mesmo deveriam ser, pois eram pescadoras de DIFERENTES rios, mas Juliana em sua bondade sentiu que não deveria se envergonhar ou se policiar dessa vez. Deu três passos pra trás e virou-se dizendo: — Você não precisa fazer isso com você mesma. Você é bonita exatamente do jeito que você é. Curioso que você é exatamente o que as pessoas consideram bonito. Você é branca, loira e possui cabelo liso e olhos claros. Por muito tempo eu me senti feia e inadequada por ter a pele preta, ter o cabelo cacheado e o nariz um pouco mais alargado que o das meninas da minha sala. Eu tentava me apagar e fazer de conta que eu não existia, mas você não precisa disso. Você sabe que não precisa.
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Witchcraft: A Saga De Ashânti
FantasiSete jovens intimamente conectadas pela magia, com as mesmas dores e alegrias viverão uma desventura em busca de salvar as bruxas que ainda existem na terra. Juliana a curiosa, Sol a destemida, Vick a pacificadora, Adessa a ambiciosa, Ryoko a valent...