Vidas Breves

366 29 9
                                    


A humanidade está totalmente defasada. Estamos seguindo para um caminho sem volta diretamente para o maior declínio da história. Não assinamos um contrato de bom comportamento quando nascemos, por isso é que crescemos tão dispostos a quebrar todas as regras relativas à sobrevivência, sempre nos comportando quase como lunáticos. Nesse estágio da humanidade toda ética e moral já foram destruídas e o que nos resta é reviver os dias sombrios do início da pré-história. Será que teríamos sido melhores se jamais tivéssemos deixado de ser nômades? O oráculo uma vez me disse que seríamos arrebatados para o inferno e nossos corpos em deturpação seriam consumidos pelas chamas do lago de fogo que nós mesmos criamos. Não sei o que disso poderia ser verídico, talvez seja uma grande metáfora, mas ao perceber olhando ao redor o que estamos fazendo com nossa Terra Mãe, tudo o que restará ao humano é aceitar desaparecer completamente. Nós mesmo cavamos nossa própria cova e depois tratamos de problematizar a adequação à isso. O fim dos dias estão mais breves que o próximo amanhecer.

— A diversão está nos acertos (erros). Eu quero voar. Queria atuar na Broadway, escrever livros, desenhar, criar moda, inventar uma máquina nova, cantar, não ser perseguido nos fins dos tempos, viver uma realidade alternativa, ter um balanço de baixo de uma grande árvore de manga e consequentemente ter uma árvore de manga. Eu acredito que eu posso voar. O senhor é meu pastor e nada me faltará. Acho legal. Queria que (eu não) existisse uma máquina de fazer gostar. Fazer gostar de mim mesma, fazer gostar de você, fazer gostar de viver. Deus! Eu não vou desistir dos meus sonhos. Eu sei que sou bela, sei que sou inteligente e esperta. Eu queria ir a Paris de novo, dar um último passeio em Londres, conhecer a famigerada Amsterdã, rever amigos em Cairo, andar de bicicleta em Copenhague, profanar os dogmas de Roma, encontrar um amor em Veneza, ler um livro em alguma praça de Lisboa e comprar alguma comida genérica em Tokyo, Queria nadar em cada praia da costa brasileira, do norte ao Sul e conhecer todos os rios da América do Sul. Está tudo tão quieto e vocês me olham com estes olhos. Engraçado eu pareço uma pessoa apaixonada (apaixonada pela vida) e eu tenho errado todas as vezes que tento acertar. Sei que isso parece uma canção de marinheiro, mas é mais como um avião. Tem uma guerra contra mim mesma acontecendo dentro de mim. Estou tentando rugir meus medos, talvez esta seja a canção do leão, não aquela que diz: "gosto muito de te ver leãozinho" mas, seria legal caminhar sobre o sol. Eu esqueci de falar, mas eu também queria conhecer a Oceania. Oh mãe Oceania deusa de todos os oceanos. Brinquei com a morte de novo e de novo. Possivelmente talvez eu seja uma caçadora, vênus como se fosse um garoto. Esse comportamento humano meu tem me irritado tanto! Não sou um enigma como esta poesia pagã. Vivi por tempos dentro de uma bolha, tendo uma visão contaminada da realidade e quase cheguei a me perder pra sempre dentro desta esfera; causa e efeito. Tenho feito muitas coisas na minha vida, mas tudo foi por amor. Tudo foi por amor. Eu já li tantos livros e sinto que eu poderia ter lido mais e queria também poder ver mais filmes. Do expressionismo alemão, passando pelo surrealismo até o cinema novo e eu sei que existem mais culturas pra conhecer e mais cidades pra ver. Eu estive numa pequena cidade histórica no interior do Brasil, Tiradentes, tão linda, tão cheia de história, eu queria conhecer outras e as listei em uma lista. Me lembro de algumas: São Thomé das Letras, Ouro Preto e... Céus como era o nome daquela outra? Boa Esperança eu acho. Tem serras lindas por lá e tudo é tão rico. Eu apenas queria ser livre. Sei que me tornei uma egoísta em minha essência e aceito com dignidade o castigo de Mãe Suspiriorum, mas quero apenas que saibam que tudo que fiz foi por amar a mim mesma e achar que eu tinha direito de viver sem a sanguessuga da minha irmã me oprimindo. Tudo que fiz foi por amor e posso até me arrepender, mas não há remorso. Eu queria voar e ainda quero, mas parece que há um muro. Não consigo dizer que estou feliz, o que sou ou o que já fui. Posso ver estes olhos, os seus olhos, mas não posso tocá-los. Estou fora desse muro. Eu me tranquei para fora. Estou tão longe. É estranho o que eu sinto. Desejei ser calorosa, ser terna e estar viva. Eu queria estar livre. É como estar em um sonho. Eu só quero me mover. Mover meus braços e minhas pernas. Sentir que não estou correndo parada no mesmo lugar, mas não consigo, minhas pernas e braços estão pesados como chumbo. Tento falar mas não consigo. Dentro de mim há um medo que me faz delirar. Tenho medo de ser humilhada. Parece um inferno. Aceitei a humilhação e compreendi seu amadurecimento. É horrível ser um fracasso. As pessoas tentam lhe dizer o que fazer e então você perde sua autonomia. O que sou? É horrível. Um misto de boas intenções e desprezo. Um breve desejo de pisar em algo vivo. Estou morta. Não, isso é muito melodramático. Não estou morta. Mas eu vivo sem autoestima. Sei que isso parece bobo e pretencioso. Eu sei que muitas pessoas por aí vivem sem nenhuma autoestima. Humilhadas, reprimidas e cuspidas. Elas estão vivas e isso é tudo que elas sabem, não conhecem outra alternativa e mesmo que conhecessem não iriam buscá-la, porque há conformismo na lida. Será que é possível ficar doente de humilhação? Esta é a doença do novo século? É esta a doença que nós temos que suportar. Fardos. Falamos tanto sobre liberdade, mas a liberdade não seria um veneno nas mãos do humilhado? Ou seria uma droga? Um vício ou pecado da carne? Não posso viver assim. Eu já desisti porque sei que não aguento mais. Os dias se arrasta me condenando ao limbo. Estou sufocando com a comida que engulo, com a merda pela qual me desfaço e pelas palavras que digo. O sol grita todas as manhãs me obrigando à me levantar e durante a noite os sonhos me perseguem. A escuridão é cheia de fantasmas e demônios. As pessoas que estão  situações degradantes são as que menos reclamam. E então elas finalmente estão em silêncio, mesmo que sejam seres vivos com olhos, mãos e corações. Vítimas algozes. O sol nasce e se põe pesadamente e o frio do inverno se aproxima e de repente o calor, a escuridão e o medo. Eu tentei entender essa avalanche de informações pra que essa dor saísse do meu peito, mas eu sou incapaz. Todos estão calados ou foram calados? Nunca podemos ir. É tarde demais para fugir, é tarde demais para escapismos, é tarde demais para devaneios. Pra tudo é tarde demais. Endora diz que sou vulnerável demais e qualquer um pode fazer o que quiser comigo. Assylvix é uma mulher que não consegue aceitar o fato de não ter uma identidade própria. Ela é apenas uma criação dos outros. Ela não tem paz de espírito ou autoestima. Eu penso que ela tentaria suicídio de pudesse. Penso que ela irá acordar em algum momento e que consiga se libertar de si mesma. Se salvar. Salvação, mas sem remorso. Esta sou eu: Assylvix, nada memorável, talvez irrelevante e completamente exausta. Esta sou eu? Esta deveria ser eu? Será que eu me lembro de como eu era antes de me dizerem como eu deveria ser?

Witchcraft: A Saga De AshântiOnde histórias criam vida. Descubra agora