🌙 Prólogo da Lua🌙

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Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fique no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua.
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o corvo disse: "Nunca mais".

- O corvo
E.A.Poe

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Era estação da colheita. Eu não posso dizer que fomos sortudos este ano, choveu muito na Vila Delis, mas acho que devemos agradecer em todas as coisas. Eu estou de férias então tenho mais tempo pra ficar em casa com minha família. Eu os amo tanto. Amo quando minha mãezinha me chama pra ajudar na colheita de milho. Lá no meio do milharal tem um espantalho. Ele já está velho, mas ainda consegue espantar os corvos. Por algum motivo os corvos estão sempre aqui. Eles estragam toda a produção. Eu e o Gabriel fizemos o quando éramos ainda crianças. Eu sugeri que ele se chamasse Fredorímpson, mas o Gabriel queria que ele se chamasse Sr. Tilin, então agora se chama Sr. Tilin.

Gabriel e eu fazemos tudo juntos. Eu não conseguiria viver sem ele. Não sei quando o conheci, mas sei que o amo mesmo antes. Eu gosto de pescar, Gabriel não é muito bom nisso, mas às vezes ele consegue pegar algumas carpas no rio. Às vezes, nossa mãe nos leva ao Mar de Circe. Lá e tão lindo. Quase pesquei uma baleia lá. Falo sério. Sou uma ótima pescadora.

Moramos em uma casa mais afastada, próxima de uma baía de porcos; também temos um chiqueiro; fizemos uma cerca, Gabriel e eu, e a pintamos de branco; mamãe plantou uma videira que se apoiava na cerca construindo uma bucólica paisagem. Colhíamos uvas todas as manhãs enquanto nosso galo, Avalon, cantava anunciando as primeiras horas.

Mamãe havia comprado três vacas. Babah, Mamuska e Brieska e elas pastavam no campo. Todos os dias, ao entardecer, nós íamos fazer companhia a elas. Às vezes eu ia sozinha. Não gostava muito. Sentia que estava sendo vigiada, sempre parecia que alguém estava me observando, com olhos cativantes. O campo fica muito próximo do bosque que cerca Delis e Aradella. De vez em quando eu ouvia vozes vindas do interior do bosque. Elas falavam muitas coisas. Às vezes riam e choravam, sentia medo.

Nos finais de semana vamos para feira da Vila dos Lamentos. Lá levamos tudo que fazemos com o milho e amoras. Vendemos bem. Mamãe faz um feitiço que faz o milharal produzir o ano todo para sempre, sem ter que refazer o ciclo de plantação anual.

No Lammas oferecemos toda nossa primeira colheita anual a nossa grande Deusa e como gratidão doamos aos mais necessitados. Plantamos abóboras pra que no Samhain possamos as decorar com feições assustadoras, muitos aldeões as compram pra decorar individualmente. É um bom negócio.

Minha mãe é um bruxa respeitada da aldeia. Sempre leu cartas, mas atualmente está cega, entretanto, ela possui um dom incrível: ela pode ver tudo, mesmo estando cega. Acho que ela sempre teve este dom, de ver o passado e o futuro, mas teve de sacrificar a visão concedida pela seleção natural humana, para ganhar a visão concebida pelos deuses.

Eu me sentia tão bem quando eu não tinha tantos problemas. Eu tento esconde-los da minha mãe, mas esta é apenas uma questão à parte, pois ela já é bem velhinha, então não quero perturba-la. De um tempo pra cá, as coisas tem piorado, às vezes estou na minha cama dormindo e acordo caída na cozinha ou no meio do milharal. Aqueles corvos, eles estão sempre me seguindo com aqueles frios parecidos no glaucoma; às vezes quando vou colher amoras no bosque, eu vejo vários deles. Eles também ficam na varanda do meu quarto. Às vezes tentam quebrar a janela com seus bicos. Mas isso só acontece quando eu estou sozinha. Por isso pedi pra mamãe pra que o Gabriel dormisse comigo. Mas ele tem um sono pesado. Outro dia senti alguma coisa me sufocando. Parecia querer me enforcar. Pedi ajuda, mas ele não me ouvia ou estava no sétimo sono. Quando eles estão por perto eu sinto muito frio. Por esses tempos eu sinto muita vontade de ir ao bosque dos sonhos, um desejo incontrolável, mesmo que proibido  eu vou. Eu poderia me perder lá pra sempre. Mas, de alguma forma, me sinto em casa naquele lugar. Súbitos momentos de paz.

Estou feliz que o Gabriel está em casa agora. Ele não se dá muito bem com os garotos do colégio. Eles não respeitam sua forma de ser. Eu já saí no tapa com um deles, Presto. Ele é tão grosseiro. Dei uma surra naquele idiota. Ele não gosta do Gabriel, e tenta o magoar, mas eu não deixo. De jeito nenhum. Enquanto eu estiver viva ninguém vai magoar ele. Eu queria fazê-lo entender como ele é especial. Algumas pessoas não entendem isso. Ele é tão inteligente. Sou a única amiga dele.

Hoje vamos ao Mar de Circe. Estou animada. Vou levar a vara de pesca esportiva que ganhei da Assylvix. Ela parece fenomenal. Melhor que as tradicionais de bambu chinês que eu faço. Quer dizer... Vamos ver né.

...

—A brisa está formidável hoje não acha Ryoko? —, Gabriel disse com aquele sorriso lindo e delicado.

—Sim! —, sorri. —Hoje eu estou inspirada. Vou acabar pescando a Moby Dick.

—Eu não duvido. Nossas, esses corvos estão roubando nossos lanches! —, Gabriel deu um pulo. Pareceu um grilo, porque era muito magro. Eu apenas ri enquanto ele tenta inutilmente com a sua blusa espantar os corvos de cima da cesta de lanches que mamãe preparou. Sem camisa ele era ainda mais engraçado, ora bolas, o menino era tão branco que suas veias eram aparentes. Tive de ir ajudá-lo. Espantei os corvos rapidamente. Eles me respeitavam de alguma forma. As vezes eu penso que eles querem chamar a minha atenção.

—Não sirvo nem pra espantar corvos. Mesmo Sr. Tilin faz isso melhor.
—, disse chateado.

—Vamos não fique assim! Coloque sua camisa esse sol vai queimar sua pele. —, disse tentando ser mais positiva.

— Não acredito que falta uma semana pras férias acabar. Vou ter que voltar praquele inferno. Só de pensar tenho vontade de sumir.

— Não fale assim. Presto continua te enchendo?

— Não só ele. Todos os garotos. Só existe um deles que não. Mas... Às vezes penso que é por pena.

— Ah por Isis! Jura? Quem seria? —, perguntei curiosa.

—Dionísio. —, ele respondeu com um sorriso tão agradável.

—Aquele lourinho? Nossa. Muito me surpreende. Já que ele anda com aquele chato do Presto. Deve ter senso né. —, disse passando a mão em seus cabelos encaracolados.

—Sim ele é gentil.

Eu não o julgava por estar apaixonado por Dionísio afinal era o primeiro garoto que estava sendo cortes com ele, naturalmente ele desenvolveria uma afeição, mas sinto um aperto no coração e uma preocupação inquietante. Sei que este menino é só mais um idiota.

Pesquei muito! Fomos pra casa. Passei na venda de Adargh o Alquimista e vendi alguns peixes pra ele. Precisava de alguns trocados pra comprar algumas coisas. Jantamos. Eu era tão agradecida pela minha família. Fé, não é a minha mãe de verdade, eu não sei quem são meus pais de verdade. Eu o Gabriel fomos abandonados próximo ao poço artesiano da vila no mesmo dia e ela nos encontrou e nos deu todo o afeto e carinho que nossos pais jamais poderiam dar. Eu sei que não sou irmã biológica de Gabriel, porque somos diferentes. Eu sei que Fé sabe quem são nossos pais, por que seu olho espiritual, tudo sabe e vê, mas eu nunca quis saber. Me sinto satisfeita como estou.

As aulas voltaram. E os pesadelos horríveis também. Não estava conseguindo dormir. As coisas só pioraram. Não consegui voltar pra casa no Yule e nem no Mabon. Não voltei mais pra casa. Não sei o que aconteceu com minha mãe ou com o Gabriel. Não consigo mais ajudar a Megumi nas tarefas de Física. Não consigo ter controle sobre mais nada. Tudo que eu fizer e pra todos os lugares que eu for esta coisa vai estar junto, andando de mãos dadas comigo, querendo fazer mal à alguém ao meu redor. Então, Endora me trancou nesse quarto e não posso mais sair. Sozinha, sendo torturada dia e noite. Sinto saudades de casa, saudades da mamãe, saudades do meu Gabriel. Tomara que esteja tudo bem.

Witchcraft: A Saga De AshântiOnde histórias criam vida. Descubra agora