❈ Prólogo ❈

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Lua de leite, a brilhar pela névoa
Tudo já se revelou

Os fardos passados
Foi sóis primaveris

Pra onde viemos
E onde vai dar

Por que não fingir
Se o sonho falhar

O vento, tão gentil
Sopra no outono
Enquanto as cores caem

Em um turbilhão
Memórias a dançar
Amáveis, mentiras que são

Amáveis, mentiras que são


No meio da multidão, com os olhos em água, ela assisti suas irmãs sendo consumidas pelas chamas sem nada poder fazer para impedir. Gritos de dor e vaias de prazer, sufoco intrigante e o medo que lhe obrigava a engolir a seco terrível fatalidade. Bocas cheias de dentes a condenar com palavras de baixo calão. Temendo, ela leva sua mão ao peito segurando sua a turmalina preta que usava como amuleto. Sentindo-se abandonada, sozinha e culpada retirou-se sem fazer muito barulho da multidão para não fosse notada.

Caminhando sobre este inferno, com os pés em brasa quente sua história havia se tornado cinza pura. Pelas estradas como fugitiva ela vagou sobre seu cavalo. Viver na sombra da sociedade e a qualquer momento ser atingida pelo tiro que ressoa a procura de mais uma calar. Uma mãe que estende os braços rogando por conforto, a jovem menina que insiste em sonhar e a velha que aconselha sobre os perigos da floresta à noite. Os monstros estão à espreita esperando pela próxima vítima condenar. A lua crescente brilha na face da mulher que se transmuta em fera apenas por ser mulher.

Ela corre ofegante na escuridão da noite de lua cheia por entre as árvores na densa floresta. Em suas mãos está um pedaço do seu próprio coração. As lembranças, o choro e incerteza do amanhã.

— Estarei viva amanhã minha Deusa?—, perguntou à lua.

A lua nada respondeu para seu desconforto. Não havia nada que ela pudesse fazer se não se esconder. Havia no meio da floresta uma casa que havia sido de tantas outras, Carmem, Maria, Ellora e Valentina. A casa não tinha porta e facilitava a chegada repentina do inimigo, mas a brava bruxa não se intimidou. No centro da cozinha daquela casa, onde o telhado estava com um ruptura gigantesca permitindo a entrada de um fosco luar, ergueu suas mãos recebendo a benção lunar.

— A ausência de luz no resto do universo saúda a morte. Quantas de nós já se foram! Cada uma de nós carrega uma dor que se perde no profundo breu, e no dito popular declaro: "Virou estrelinha"... Mas tenho esperança em seus braços lua que me acolhe. Salva tuas filhas da perdição dos homens. Em toda a Terra não há quem com olhos intrigados não a veja assim com tanta beleza e sinta cobiça, seja ela vermelha, ou marfim! No Cabo da Boa Esperança nas marés bravias do Pacifico ou quem sabe no Mar Morto...  Diante de ti oh minha lua há quem não seja místico? No Monte Fuji ou no Everest há quem não lhe ofereça um cântico? Na Baía da Guanabara, nas calotas polares, ou nas praias coloridas do Atlântico? Tem uma lua no céu e uma chão. Uma levita em mim, outra mergulha em meu coração. No silencio do azul da noite entrego a ti o meu sacrifício. Sou eu, o ensaio sobre mulher. Dae Matrona, oh Dae Matrona escuta meu clamor!

Entreaberta suas mãos tocam o feltro das pétalas que por dentro tem o felpo das pálpebras. Flor carnívora que tem fome do próprio suco no ventre, entorpecida experiência feminina. Seus gemidos, uma canção de ninar. Os dedos nos lábios macios, doce mel de frutas sazonais, boca molhada, uma ostra aberta a espera do cúmulo, o toque na pérola, clitóris, paixões e crisálida. A flor de todas as carícias, jardins da virtude, despeja sobre mim tua água farta. Uma ciranda entoada sem poéticas, uma charanga expressa em carne, nervo e veia. Vulva que a vida envolve, pupa e casulo. O calor de teus ermos, da cálida flor. O fluído vermelho se espalhou por todo o chão e fluiu tudo que podia até não ter mais nada pra sair. A mulher ofereceu tudo o que tinha e em troca recebeu uma jornada de cansaço e esgotamento. O sacrifício do útero.

A porta se abriu lentamente revelando uma mulher escondida por um capuz. Aproximou-se olhando e constatando o sacrifício máximo de vida. A mulher colocou o defunto outra nas costas do cavalo e dali partiram.

Witchcraft: A Saga De AshântiOnde histórias criam vida. Descubra agora